DOUTRINA
CRISTÃ SEMPRE REINTERPRETADA E VIVENCIADA
Pe. Mário
Fernando Glaab
Quem quer ser
catequista deve conhecer o conteúdo a ser transmitido, isto é, a doutrina da
Igreja. Várias vezes se explicou que conhecer implica, bem mais que possuir
intelectualmente um conjunto de respostas codificadas, na experiência vivencial
das verdades, que em última instância consiste no “conhecer” e no “seguir”
passo por passo a mesma doutrina: a experiência do encontro sempre renovada.
Doutrina
traduzida em nova experiência
Contudo, vem a pergunta sobre a doutrina. Ela é sempre a
mesma ou ela está sujeita a modificações? Para responder a esta questão é
preciso ter bastante cuidado. Ao se dizer que o conteúdo da fé cristã é o
próprio encontro com Jesus Cristo, sem dúvida, está se declarando a permanência
dele; porém, ao se individualizar tal encontro para as pessoas historicamente
localizadas, afirmam-se novas aproximações que sempre reinterpretam o mesmo
conteúdo. Então, levando em conta que já nos primórdios a Igreja empreendeu
esforço gigantesco para traduzir sua doutrina que fora condensada no conjunto
de escritos e tradições, comumente aceitos como a Bíblia, para que pudesse ser compreendida e aceita pelos povos que
aos poucos iam sendo evangelizados; também hoje a mesma doutrina necessita de
tradução. Se no final dos primeiros séculos, com muito trabalho dos Padres da
Igreja, de concílios e de missionários, a Igreja chegou a um corpus fundamental, que ela considera
ser a sua “doutrina”, ela sempre retorna a ele com olhar crítico, para que
também hoje esse conjunto de doutrina possa dizer algo para as pessoas que
enfrentam novos desafios e têm novos anseios de vida. É o trabalho específico
da teologia e da pastoral aplicada.
Se a doutrina de nossa fé for considerada como revelada
não se pode, todavia, esquecer que tal revelação ocorreu na história concreta
das pessoas e de um povo. Assim também ela se faz doutrina para o homem de hoje
na e através da reflexão do crente que se descobre envolvido por ela em sua
história e na história de seu mundo. A experiência que os destinatários da
revelação tiveram em sua vida histórica pode, e deve, se repetir para nós como
para eles. Tudo o que eles vivenciaram também nós somos chamados a vivenciá-lo por
nós mesmos. Ao sabermos que eles “descobriram” que Deus é Pai que perdoa sempre
e incondicionalmente, igualmente nós, ao nos encontrar com Jesus, também nos
convencemos e aceitamos na fé responsável o perdão do Pai. Para que a revelação
seja viva, nós a acolhemos com total liberdade, e criticamente nos sujeitamos
ao que Deus está dizendo também a nós. Se assim não fosse, estaríamos repetindo
doutrinas vazias, e cairíamos em fideísmo cego.
Prática
interpretativa
Importante é notar que existe uma diferença entre nova
interpretação e nova experiência. As interpretações podem permanecer apenas
como frutos de novas culturas e de novas situações históricas; as experiências
passam além. Também elas estão inseridas nas culturas e nas situações
históricas, mas ao interpretar dão vida para ela, deixam-se envolver. Dessa
forma, o conteúdo da fé deixa de ser buscado somente em conceitos teológicos
teóricos que podem ser entendidos em determinada cultura ou época, mas desce
para o espaço do prático e do experiencial. É aí que se encontra a terra fértil
onde se pode cultivar a vivência cristã. Na América Latina não é novidade falar
das teologias da práxis, isto é, pensar teologicamente a partir da vivência da
fé em situações bem concretas, no caso, das terríveis injustiças causadoras de
exclusão de grande parte da população do necessário para a vida digna. Os
movimentos litúrgicos de renovação e da catequese são outros exemplos.
Disso pode-se concluir que uma reinterpretação do conteúdo
da fé cristã – doutrina cristã – é mais que interpretar de novo. É, na verdade,
encontrar-se, em Jesus Cristo, com esse Deus que está presente também hoje em
nossa vida e história. O que Deus revelou aos personagens bíblicos, ou aos
personagens que fizeram história antes que nós, também o está revelando a nós.
Sua ação é tão viva e atuante na atualidade como esteve no momento inaugural.
Portanto, Deus se comunica a quem ouve hoje a sua mensagem com o mesmo amor com
que falou aos primeiros destinatários. A compreensão do crente hoje não fica na
esfera limitada de comentar ou apenas interpretar, mas remete à presença viva
que continua chamando. Quem responde a esse chamado de presença, apoiado nela e
graças a ela, experimenta-a em seu tempo, em sua cultura e onde se encontra.
Verifica-se, assim, a verdade da própria doutrina: quanto mais experienciada,
tanto mais confirmada na vida concreta da comunidade de fé.
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