sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Reflexão sobre o conteúdo da fé cristã

DOUTRINA CRISTÃ SEMPRE REINTERPRETADA E VIVENCIADA

Pe. Mário Fernando Glaab
           
Quem quer ser catequista deve conhecer o conteúdo a ser transmitido, isto é, a doutrina da Igreja. Várias vezes se explicou que conhecer implica, bem mais que possuir intelectualmente um conjunto de respostas codificadas, na experiência vivencial das verdades, que em última instância consiste no “conhecer” e no “seguir” passo por passo a mesma doutrina: a experiência do encontro sempre renovada.

Doutrina traduzida em nova experiência
            Contudo, vem a pergunta sobre a doutrina. Ela é sempre a mesma ou ela está sujeita a modificações? Para responder a esta questão é preciso ter bastante cuidado. Ao se dizer que o conteúdo da fé cristã é o próprio encontro com Jesus Cristo, sem dúvida, está se declarando a permanência dele; porém, ao se individualizar tal encontro para as pessoas historicamente localizadas, afirmam-se novas aproximações que sempre reinterpretam o mesmo conteúdo. Então, levando em conta que já nos primórdios a Igreja empreendeu esforço gigantesco para traduzir sua doutrina que fora condensada no conjunto de escritos e tradições, comumente aceitos como a Bíblia, para que pudesse ser compreendida e aceita pelos povos que aos poucos iam sendo evangelizados; também hoje a mesma doutrina necessita de tradução. Se no final dos primeiros séculos, com muito trabalho dos Padres da Igreja, de concílios e de missionários, a Igreja chegou a um corpus fundamental, que ela considera ser a sua “doutrina”, ela sempre retorna a ele com olhar crítico, para que também hoje esse conjunto de doutrina possa dizer algo para as pessoas que enfrentam novos desafios e têm novos anseios de vida. É o trabalho específico da teologia e da pastoral aplicada.
            Se a doutrina de nossa fé for considerada como revelada não se pode, todavia, esquecer que tal revelação ocorreu na história concreta das pessoas e de um povo. Assim também ela se faz doutrina para o homem de hoje na e através da reflexão do crente que se descobre envolvido por ela em sua história e na história de seu mundo. A experiência que os destinatários da revelação tiveram em sua vida histórica pode, e deve, se repetir para nós como para eles. Tudo o que eles vivenciaram também nós somos chamados a vivenciá-lo por nós mesmos. Ao sabermos que eles “descobriram” que Deus é Pai que perdoa sempre e incondicionalmente, igualmente nós, ao nos encontrar com Jesus, também nos convencemos e aceitamos na fé responsável o perdão do Pai. Para que a revelação seja viva, nós a acolhemos com total liberdade, e criticamente nos sujeitamos ao que Deus está dizendo também a nós. Se assim não fosse, estaríamos repetindo doutrinas vazias, e cairíamos em fideísmo cego.

Prática interpretativa
            Importante é notar que existe uma diferença entre nova interpretação e nova experiência. As interpretações podem permanecer apenas como frutos de novas culturas e de novas situações históricas; as experiências passam além. Também elas estão inseridas nas culturas e nas situações históricas, mas ao interpretar dão vida para ela, deixam-se envolver. Dessa forma, o conteúdo da fé deixa de ser buscado somente em conceitos teológicos teóricos que podem ser entendidos em determinada cultura ou época, mas desce para o espaço do prático e do experiencial. É aí que se encontra a terra fértil onde se pode cultivar a vivência cristã. Na América Latina não é novidade falar das teologias da práxis, isto é, pensar teologicamente a partir da vivência da fé em situações bem concretas, no caso, das terríveis injustiças causadoras de exclusão de grande parte da população do necessário para a vida digna. Os movimentos litúrgicos de renovação e da catequese são outros exemplos.
            Disso pode-se concluir que uma reinterpretação do conteúdo da fé cristã – doutrina cristã – é mais que interpretar de novo. É, na verdade, encontrar-se, em Jesus Cristo, com esse Deus que está presente também hoje em nossa vida e história. O que Deus revelou aos personagens bíblicos, ou aos personagens que fizeram história antes que nós, também o está revelando a nós. Sua ação é tão viva e atuante na atualidade como esteve no momento inaugural. Portanto, Deus se comunica a quem ouve hoje a sua mensagem com o mesmo amor com que falou aos primeiros destinatários. A compreensão do crente hoje não fica na esfera limitada de comentar ou apenas interpretar, mas remete à presença viva que continua chamando. Quem responde a esse chamado de presença, apoiado nela e graças a ela, experimenta-a em seu tempo, em sua cultura e onde se encontra. Verifica-se, assim, a verdade da própria doutrina: quanto mais experienciada, tanto mais confirmada na vida concreta da comunidade de fé.

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