SURPRESAS
EM JESUS – “NÃO TEM DÓ DAS PESSOAS!”
Parece estranho, até mesmo uma acusação descabida, e, de
fato é; mas entre as tantas reações que a pessoa e as atitudes de Jesus causam
em nós, surpreende-nos quando ele, “sem dó”, aconselha: “A quem te bater numa
face, oferece a outra; a quem te tomar o manto, deixa-lhe também a túnica. Dá a
quem te pedir; a quem tomar o que é teu, não o reclames de volta” (Lc 6,29-30).
Jesus não tem dó das pessoas humilhadas: ele manda o esbofeteado na face
direita oferecer a face esquerda ao agressor! Pode? Onde está a dignidade do
humilhado!
Novidade
do Reino
Faz parte da novidade do Reino. Todos sabemos que um mundo
sem justiça não pode ser um lugar de paz e de harmonia. Jesus o sabe muito bem
e não aceita, de forma alguma, os que praticam o mal e assim prejudicam os
pequenos, mas lhes propõem conversão. A surpresa está em ter dó não somente do
agredido, mas igualmente do agressor. Talvez mais deste último que do primeiro.
Isto porque ele é o que de fato mais necessita, não somente de um sentimento de
dó, mas de misericórdia que o liberte do egoísmo que o faz violento e injusto.
O que Jesus propõe
é o que ele próprio faz; aliás, é o mestre ensinando seus discípulos. Ele é o
rosto da misericórdia do Pai que faz o seu sol iluminar os bons e os maus sem
discriminação. A proposta de Jesus é de que os agressores sejam vencidos pelo
bem que perdoa sem restrições. Que eles possam experimentar a misericórdia de
Deus que é eterna. Jesus se doa totalmente. Os discípulos de Jesus têm a missão
de testemunhar essa mesma misericórdia, pois antes já a encontraram nas
palavras e nos atos de Jesus. E, sempre estão renovando a experiência de sua
misericórdia.
Do ponto de vista dos discípulos, a verdadeira surpresa
consiste em que Deus em Jesus de Nazaré não somente fala de justiça na lógica
humana, mas a supera em muito: ele os prepara para a justiça divina. A justiça
do pai que sempre está à espera do filho que saiu de casa.
A
misericórdia envolve os discípulos
Perdoar não é fácil. O perdão, conforme Jesus o propõe,
não é um ato de justiça, pois nunca se pode exigi-lo de ninguém como um dever
social. O perdão de Jesus supera as leis sociais de justiça. Aliás,
juridicamente o perdão não existe. Na verdade, o código penal ignora o verbo
“perdoar”. Mas, segundo Jesus, é do amor gratuito que o gesto surpreendente e
muitas vezes heróico do perdão nasce.
Se também com essas palavras Jesus nos surpreende,
tenhamos a coragem de nos aproximar do mistério da misericórdia do próprio
Deus, pois se não se conhece a experiência de ser perdoado por Deus, nunca
saberemos perdoar e fazer o bem aos que nos fazem o mal. Dom Helder Câmara
sabiamente lembra aos que desejam se aproximar do mistério da misericórdia de
Deus: “Para libertar-te de ti mesmo, lança uma ponte para o outro lado do
abismo que teu egoísmo criou. Procura ver para além de ti mesmo. Procura
escutar algum outro e, sobretudo, procura esforçar-te para amar a outros em vez
de amar somente a ti”. E o Papa Francisco, na Bula de Proclamação do Jubileu
Extraordinário da Misericórdia Misericordiae
Vultus, ao falar dos verdadeiros filhos do Pai de misericórdia, lembra que
perdoar nos parece difícil! “E, no entanto, o perdão é instrumento colocado nas
nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração. Deixar de lado o
ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para
se viver feliz” (9).
Igreja
misericordiosa
Se Deus em Jesus nos surpreende ao não se limitar em
afirmar o seu amor, mas em torná-lo visível e palpável, também nós precisamos
ir mais além a fim de alcançar uma meta mais alta e significativa: enchermo-nos
da misericórdia de Deus. E, para terminar, mais uma citação do Papa Francisco:
“A primeira verdade da Igreja é o amor de Cristo. E, deste amor que vai até ao
perdão e ao dom de si mesmo, a Igreja faz-se serva e mediadora junto dos
homens. Por isso, onde a Igreja estiver presente, aí deve ser evidente a
misericórdia do Pai. Nas nossas paróquias, nas comunidades, nas associações e
nos movimentos – em suma, onde houver cristãos -, qualquer pessoa deve poder
encontrar um oásis de misericórdia” (12).
Pe. Mário
Fernando Glaab
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