DÍZIMO
E GRATUIDADE DE DEUS
Apesar de todas as explicações e reflexões que se fizeram
nos últimos tempos, pode parecer que os dois conceitos – dízimo e gratuidade de
Deus - não se harmonizam totalmente. Mesmo que a Pastoral do Dízimo, nas
últimas décadas, tenha insistido enormemente para mostrar que o dízimo não é
“pagamento”, mas oferta de amor, ainda permanece certa dúvida e até convicção,
talvez escondida no profundo de nossa religiosidade, de que o dizimista fiel
recebe mais bênçãos que o não-dizimista. Aliás, se Deus é justo, justiça se
faz. O Deus da Gratuidade sem limites para com todos é outro assunto, que não
convém abordar quando se fala de dízimo. Mas, vejamos.
Jesus
e a generosidade
Na verdade, a ideia de que Deus dá a suas bênçãos aos bons
dizimistas é veterotestamentária. Jesus nunca ensinou isso. Jesus, em toda sua
pregação e nos seus feitos, anunciou uma ilimitada confiança no Pai que não faz
distinção entre seus filhos. Conforme Jesus, o Pai do Céu faz o sol nascer
sobre os bons e os maus, chover sobre justos e injustos (cf. Mt 5,45), pois
todos estão incluídos no seu amor paterno. O que Jesus anuncia e instaura é uma
nova realidade, onde todos têm acesso à misericórdia de Deus. Onde a vida é
valorizada naquilo que é: dom de Deus. É, em outras palavras, o Reino de Deus
na terra. Neste Reino há abundância para todos, pois será vida em plenitude.
A tarefa da Igreja, mãe generosa, é ser sinal eficaz do
Reino de Deus no mundo, para que todos possam ter acesso à vida plena. Quem a
experimenta, ou melhor, a vivencia a vida em plenitude, não pode mais se fechar
no egoísmo que quer tudo para si. Abre-se para compartilhar com todos o que
encontra no Reino. Abandona qualquer iniciativa de comércio ou barganha com
relação a Deus ou ao próximo. Seu partilhar é pura generosidade. Acolhe o Reino
com simplicidade; compartilha os bens na visão do Reino generosamente sem
esperar nada em troca. Toda doação é fruto da pertença ao Reino, ou melhor, o
Reino do Pai é a base de qualquer gesto cristão que assim se torna gratuito,
como é gratuito o Reino.
Deus não se deixa vender e nem ser comprado. Não aceita
oferendas manipuladoras, mas se dá com alegria aos pequenos e aos pobres.
Aliás, Jesus o louva por isso, ao exclamar: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e
da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste
aos pequenos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado” (Mt 11,25). O louvor de Jesus
é a revelação da alegria do Pai. À medida em que o ser humano começa a entrar
na ótica de Jesus, ele igualmente sente alegria ao se poder doar. Estas são
coisas que o mundo não consegue entender, pois são escondidas aos sábios; não
porque Deus as escondeu, mas porque ele tem outros interesses. O que procura
não confere com o que os pobres e pequenos buscam. Ele corre sofregamente atrás
de bens materiais, do dinheiro, do poder, da fama e do prazer. Os filhos do
mundo estão anestesiados diante dos valores do Reino.
Dízimo
é sinal do Reino
Tendo como base a gratuidade com Deus nos oferece a
participação em seu Reino, podemos apresentar o dízimo na visão cristã. Ele não
é recomendação, ou mandamento de Jesus. É bem mais do que isso. É fruto
autêntico do único mandamento de Jesus, o amor. Aquele que ama é do Reino. No
Reino a vida é partilhada.
Dar o dízimo na comunidade de fé e de vida, nada mais é
que compartilhar o Reino que buscamos e que recebemos gratuitamente de Deus e
dos irmãos. Dar o dízimo para que a comunidade tenha condições de existir é
aprender sempre de novo a realidade nova do Reino de Deus. Não se mede a
generosidade pelo valor pecuniário do dízimo, porém pela consciência da
pertença do fiel ao Reino de Deus. Uma vez que no Reino de Deus há vida para
todos, o dizimista colabora com sua generosidade na construção da vida do Reino
em sua comunidade.
Portanto, o dízimo cristão não é uma forma sábia que a
Igreja encontrou no decorrer dos séculos para sobreviver e para adquirir as
bênçãos e graças de Deus em favor dos seus fiéis, mas é partilha generosa com
os irmãos da comunidade, resposta generosa de quem experimenta e vive a
gratuidade de Deus na construção do Reino em meio os desafios do mundo. Mesmo
que a sociedade em geral prega o egoísmo, o consumo desenfreado, a falcatrua, e
tudo o mais que divide as pessoas, o dizimista continua testemunhando as coisas
“escondidas aos sábios e entendidos” mas reveladas aos pequenos, os benditos do
Pai, o amor generoso que sabe se doar como Deus se doou em Jesus.
Pe. Mário
Fernando Glaab
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