quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Vaticano II hoje (10)

PACTO DAS CATACUMBAS (PONTO 9)

            O nono item do Pacto das Catacumbas diz: “Cônscios das exigências da justiça e da caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de ‘beneficência’ em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s.”. Os textos citados são os seguintes: (Mt 25,31-46 apresenta o “julgamento das nações” a partir das obras de caridade, e conclui com as palavras de Jesus: “todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!”); “Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: ‘Mulher, estás livre da tua doença’. Ele impôs as mãos sobre ela, que imediatamente se endireitou e começou a louvar a Deus. O chefe da sinagoga, porém, furioso porque Jesus tinha feito uma cura em dia de sábado, se pôs a dizer à multidão: ‘Há seis dias para trabalhar. Vinde, pois, nesses dias para serdes curados, mas não em dia de sábado’”; “Entretanto, preciso caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, pois não convém que um profeta morra fora de Jerusalém. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, mas não quisestes!”

Cônscios das exigências da justiça e da caridade
            Não é por menos que a pregação de Jesus e da Igreja sempre visa à prática da fé pela vivência da justiça e da caridade. A fé sem a prática, já dizia Tiago, é morta (cf. Tg 2,26). Os bispos não querem permanecer em especulações teológicas sobre a fé, sobre doutrinas, mas viver a fé no dia-a-dia, colocando suas capacidades e as da Igreja ao serviço de todos na justiça e na caridade. Aceitar conscientemente a fé exige compromisso com a justiça e a caridade.
            Muito sugestivo que os bispos falam primeiramente da justiça e depois da caridade. Disso pode-se auferir que existem exigências de justiça que vêm antes de qualquer caridade, mesmo que ambas se relacionam mutuamente. Aliás, estando atento às palavras e atitudes de Jesus, não é tão fácil distinguir se elas se referem à justiça ou à caridade, pois se entrelaçam mutuamente. No entanto, para questões metodológicas, é bom iniciar com a justiça. Talvez seja permitido dizer que a justiça antecede a caridade, e que a caridade supõe a justiça. Ou melhor, a caridade vai além da justiça, mas a justiça leva necessariamente à caridade.
            Há quem pensa que a justiça é própria da sociedade civil e que a caridade, por sua vez, e própria da religião. Não é verdade. O homem religioso, justamente por ter fé viva, ao praticar a caridade, coloca-se sempre do lado da justiça que valoriza cada um conforme sua dignidade de ser humano criado à imagem e semelhança do Criador.

Transformar obras de “beneficência” em obras sociais
            Latente neste propósito está a consciência de que a Igreja é serva. Jesus veio para servir, e seus seguidores não podem ser diferentes. Obras de beneficência podem fazer muito bem – como de fato fazem -, mas podem também esconder intenções não totalmente puras. Quando falta o espírito gratuito do serviço ao próximo as obras beneficentes tornam-se egoístas. Nesse caso o serviço espera recompensa. Esse não é o desejo de Jesus. E não pode ser o de seus discípulos. Cuidar somente daqueles que poderão retribuir ou vir para a comunidade e somar nas missas dominicais não é genuinamente cristão. Os bispos o perceberam e o tomaram como meta. Humildemente colaborar com as obras sociais dos organismos públicos expressa uma Igreja a serviço de todos e de todas as necessidades do ser humano.

Humilde serviço
            Opõe-se frontalmente ao serviço humilde da Igreja o clericalismo. Este, infelizmente era, e é, o oponente maior para que a transformação aconteça. O clero que procura defender privilégios não consegue sair para somar com as obras sociais, ainda mais quando baseadas na caridade e na justiça. Ele sempre quer ser o centro das atenções e das atividades. Mesmo que sejam boas.
            Nos anos pós-concílio, no nosso Continente, a Igreja, motivados pelos bispos do pacto das catacumbas, e por muitos padres e líderes de todas as esferas, foi inserida no mundo do trabalho, do lazer e das lutas cotidianas das pessoas, mormente dos pobres, dos doentes, dos sem vez e sem voz. Contudo, não faltaram ferrenhos opositores desta inserção. E, nos últimos anos, parece que cada vez mais a Igreja está retornando às suas obras de “beneficência”. Reagindo a alguns abusos da teologia da libertação, aproveitadores afirmam que a Igreja não pode se intrometer em questões políticas, mas que precisa “dar esmolas” do jeito como sempre fez. Cuidar do aspecto espiritual! Julga-se que a presença da Igreja na sociedade é caracterizada pelas obras assistenciais. Porém, como cada vez mais essas obras se tornam insignificantes, em alguns setores da Igreja – setores conservadores – está-se vivendo com nervosismo e até com crispação a perda de poder e espaço social. Todavia, não se deve ver esse fenômeno como uma desgraça que precisamos lamentar, mas uma graça que pode nos reconduzir ao Evangelho verdadeiro, que os bispos redescobriram no propósito desse item.
            Graças ao bom Deus, a Igreja está ouvindo nesses últimos meses o apelo insistente do Papa Francisco que manda a Igreja sair das sacristias e ir para as ruas. Não é esse o caminho que os bispos propuseram, e que nós, se quisermos ser fiéis ao Evangelho e ao Concílio Vaticano II, necessitamos seguir? Que tenhamos coragem de recomeçar.
Pe. Mário Fernando Glaab

WWW.marioglaab.blogspot.com.br

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