PACTO
DAS CATACUMBAS (PONTO 9)
O nono item do Pacto das Catacumbas diz: “Cônscios das exigências da justiça e da
caridade, e das suas relações mútuas, procuraremos transformar as obras de
‘beneficência’ em obras sociais baseadas na caridade e na justiça, que levam em
conta todos e todas as exigências, como um humilde serviço dos organismos
públicos competentes. Cf. Mt 25,31-46; Lc 13,12-14 e 33s.”. Os textos
citados são os seguintes: (Mt 25,31-46 apresenta o “julgamento das nações” a
partir das obras de caridade, e conclui com as palavras de Jesus: “todas as
vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a
mim que o fizestes!”); “Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: ‘Mulher, estás
livre da tua doença’. Ele impôs as mãos sobre ela, que imediatamente se
endireitou e começou a louvar a Deus. O chefe da sinagoga, porém, furioso
porque Jesus tinha feito uma cura em dia de sábado, se pôs a dizer à multidão:
‘Há seis dias para trabalhar. Vinde, pois, nesses dias para serdes curados, mas
não em dia de sábado’”; “Entretanto, preciso caminhar hoje, amanhã e depois de
amanhã, pois não convém que um profeta morra fora de Jerusalém. Jerusalém,
Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas
vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintainhos debaixo
das asas, mas não quisestes!”
Cônscios
das exigências da justiça e da caridade
Não é por menos que a pregação de Jesus e da Igreja
sempre visa à prática da fé pela vivência da justiça e da caridade. A fé sem a
prática, já dizia Tiago, é morta (cf. Tg 2,26). Os bispos não querem permanecer
em especulações teológicas sobre a fé, sobre doutrinas, mas viver a fé no
dia-a-dia, colocando suas capacidades e as da Igreja ao serviço de todos na
justiça e na caridade. Aceitar conscientemente a fé exige compromisso com a
justiça e a caridade.
Muito sugestivo que os bispos falam primeiramente da
justiça e depois da caridade. Disso pode-se auferir que existem exigências de
justiça que vêm antes de qualquer caridade, mesmo que ambas se relacionam
mutuamente. Aliás, estando atento às palavras e atitudes de Jesus, não é tão
fácil distinguir se elas se referem à justiça ou à caridade, pois se entrelaçam
mutuamente. No entanto, para questões metodológicas, é bom iniciar com a
justiça. Talvez seja permitido dizer que a justiça antecede a caridade, e que a
caridade supõe a justiça. Ou melhor, a caridade vai além da justiça, mas a
justiça leva necessariamente à caridade.
Há quem pensa que a justiça é própria da sociedade civil
e que a caridade, por sua vez, e própria da religião. Não é verdade. O homem
religioso, justamente por ter fé viva, ao praticar a caridade, coloca-se sempre
do lado da justiça que valoriza cada um conforme sua dignidade de ser humano
criado à imagem e semelhança do Criador.
Transformar
obras de “beneficência” em obras sociais
Latente neste propósito está a consciência de que a
Igreja é serva. Jesus veio para servir, e seus seguidores não podem ser
diferentes. Obras de beneficência podem fazer muito bem – como de fato fazem -,
mas podem também esconder intenções não totalmente puras. Quando falta o
espírito gratuito do serviço ao próximo as obras beneficentes tornam-se
egoístas. Nesse caso o serviço espera recompensa. Esse não é o desejo de Jesus.
E não pode ser o de seus discípulos. Cuidar somente daqueles que poderão
retribuir ou vir para a comunidade e somar nas missas dominicais não é
genuinamente cristão. Os bispos o perceberam e o tomaram como meta. Humildemente
colaborar com as obras sociais dos organismos públicos expressa uma Igreja a
serviço de todos e de todas as necessidades do ser humano.
Humilde
serviço
Opõe-se frontalmente ao serviço humilde da Igreja o clericalismo.
Este, infelizmente era, e é, o oponente maior para que a transformação
aconteça. O clero que procura defender privilégios não consegue sair para somar
com as obras sociais, ainda mais quando baseadas na caridade e na justiça. Ele
sempre quer ser o centro das atenções e das atividades. Mesmo que sejam boas.
Nos anos pós-concílio, no nosso Continente, a Igreja,
motivados pelos bispos do pacto das catacumbas, e por muitos padres e líderes
de todas as esferas, foi inserida no mundo do trabalho, do lazer e das lutas
cotidianas das pessoas, mormente dos pobres, dos doentes, dos sem vez e sem
voz. Contudo, não faltaram ferrenhos opositores desta inserção. E, nos últimos
anos, parece que cada vez mais a Igreja está retornando às suas obras de
“beneficência”. Reagindo a alguns abusos da teologia da libertação,
aproveitadores afirmam que a Igreja não pode se intrometer em questões
políticas, mas que precisa “dar esmolas” do jeito como sempre fez. Cuidar do
aspecto espiritual! Julga-se que a presença da Igreja na sociedade é
caracterizada pelas obras assistenciais. Porém, como cada vez mais essas obras
se tornam insignificantes, em alguns setores da Igreja – setores conservadores
– está-se vivendo com nervosismo e até com crispação a perda de poder e espaço
social. Todavia, não se deve ver esse fenômeno como uma desgraça que precisamos
lamentar, mas uma graça que pode nos reconduzir ao Evangelho verdadeiro, que os
bispos redescobriram no propósito desse item.
Graças ao bom Deus, a Igreja está ouvindo nesses últimos
meses o apelo insistente do Papa Francisco que manda a Igreja sair das
sacristias e ir para as ruas. Não é esse o caminho que os bispos propuseram, e
que nós, se quisermos ser fiéis ao Evangelho e ao Concílio Vaticano II,
necessitamos seguir? Que tenhamos coragem de recomeçar.
Pe. Mário
Fernando Glaab
WWW.marioglaab.blogspot.com.br
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