terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Gute Zeite - Weihnachte fria in de Kolonie.


WEIHNACHTE IN DE KOLONIE

Mea honn jo ganz in de Kolonie gewohnt, un wohre oach so ormche. Mea wohre viel Kinna im Haus, awa es woa doch imma scheen; hauptsechlich wenn so grosse Toche wohre wie Weihnachte odda Oschtre.
Mea kunde net grosse Sache mache, awa, honn uns doch so gefreit wenn ma en kleen Geschenkche griet honn. Vielmos woa es blos bische Schokolode odde en Ostreei. Das woa schun en Grund fa sich so se freie dass ma gesun hat. Di Mamma um de Pappa hatte net viel fa fein Esse mache, awa manichmol homma doch em Schweinche geschlacht un Woscht gemach. Dass schun poo Toche voahea. Zwei Toche voa de Weihnachte hat die Mamma Toss gepackt; mea muste das Holz bei schaffe un de Packhofe scheen heis mache. Alsmol hat es net richtich gebrennt, dann honn ma mit samme gegrintz un dischkutiat, awa ma honn es doch hin griet. De letschte Toach voam Heiligeohmt dann hat die Mamma noch Kuche gepackt. Barbaridade! Dea hat so gut geschmeckt. Ma must awa watte bissa richtich kalt woa fa se esse. Die Mamma socht dess heisse Kuche tet Leibweh gewe. Um mea hatte ach vielmols son Panzweh. Das hat alles dezu geheat. Un so voa Ohmt, dan is de Krissboam gemach woa: so em Pinhebemche is uffgeschtellt woa, scheen beschmickt mit Kugelch, Kette um Ketzcha. Dan woa die Freide gross.
Was oach imma dezu geheat hat woa in die Kerich gehen. Die meascht mol sin die Buwe in die Kristmette gan. Die woa in Mittenacht, und die Kerich woa net dicht. Das hat alles Nicks gemach. De Pappa iss im Toach in die Kerich gang. Die Mamma kund net imma mit, weil sie musst doch die ganz Arweit mache. Wenn awa Mess in de Kapell woa – dichta bei uns – dann is sie oach gang.
Um die Zeit hat keine Televissão un Radio – naja, mea hatte son Din wo vielmos blos gerauscht hat – hon mea net so viel geheat. De Pappa un di Mamma honn Geschichtcha votseelt vun fria un wie sie die Weihnachte in ihre Familie gefeiat hette. Alsmos honse Weihnachtslieda gesunn. Das woa so scheen! Heit is das alles vorbei. Die Junge wisse gonet me wie das Lewe fria woa, un wie die Familie in Friede das Kristkind gewat hot. Sicha is das Jesuskind bessa oangenomm gang in de Einfachkeit wie heit in alle Schmuck un reiche Geschenke.
Frohe Weihnachte, mit dem Gottessege.
Glaabsmário

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Viver hoje na caridade.


NOSTALGIAS E SONHOS

            Quem de nós nunca sentiu saudades dos tempos de criança, de outras épocas, de outras situações? Ainda mais quando já se tem uma certa idade, alguns anos a mais de vida; para não falar somente dos idosos. Igualmente podemos perguntar quem de nós nunca sentiu saudades do futuro; quem nunca sonhou com uma realidade diferente da que está vivendo? Também mais intenso em pessoas que já estão “cansadas” dos desafios do hoje de cada dia. São as nostalgias e os sonhos, que não são reais; apesar de sua imensa influência na vida de qualquer um, tanto maiores quanto mais distante da vida real.

Viver no passado
            É bem mais cômodo viver no passado que no presente. Além de se criar para o passado uma espécie de tempo perfeito; reprova-se o tempo presente. Hoje as coisas são ruins. É uma maneira de se estar acomodado e nada fazer para contribuir na caminhada que deve continuar. Justifica-se a própria atitude de não-colaboração, com louvores aos tempos passados e críticas negativas aos tempos atuais. Saudades do passado e reprovação do presente.
            Essa forma de viver não é boa em qualquer relacionamento humano, mas ela tem consequências enormes quando atinge a espiritualidade ou a vida religiosa das pessoas. Existe um voltar ao passado nos costumes de rezar, de se vestir, de falar e, até de se comportar como se fazia há cinquenta ou sessenta anos atrás na Igreja: tempos pré-conciliares ou imediatamente pós-conciliares. Pergunta-se: será que naquele tempo tudo estava certo e hoje não está mais? Será que os costumes de então eram os ideais? Mas eles não eram também frutos de uma determinada cultura?

Viver no futuro
            Outra tentação que desloca da realidade do presente é sonhar com um futuro perfeito, mas que não tem suas raízes no presente. Procura-se fugir do agora que não é bom. Quanto menos sujar as mãos hoje, tanto mais se aproxima desse futuro sonhado. Na expressão popular se diz “viver no mundo da lua”. A lua está hoje tão brilhante e grande, porque está cheia, mas em alguns dias ela não brilha e nem aparece, pois está em sua fase minguante. Contudo, certas pessoas sonham, sonham, mas nunca acordam.
            Também esta forma de viver não é boa, principalmente quando atinge certas espiritualidades. É importante esclarecer que estes sonhos não têm nada de haver com esperança; que é uma virtude essencial na vida cristã.  Viver no futuro significa deixar o presente, a situação do aqui e agora, de lado. Não sujar as mãos nas poeiras da caminhada.

Viver no presente
            Viver no presente – isto vale para todas as idades – consiste em juntar o passado e o futuro para o aqui e o agora. É contar com a experiência própria e de outros, sonhar com o sucesso e com a graça de Deus, mas fazer tudo o que estiver ao alcance hoje, nem que seja difícil. É atualizar o que se crê e antecipar o que se espera na caridade concretamente vivida.
            Não basta querer viver da história, mas é preciso viver na história; não basta sonhar com o futuro, mas é preciso antecipar o futuro na vida que se tem hoje. É neste hoje que o Espírito de Deus se manifesta e se revela, assim como se manifestou no passado e irá se manifestar no futuro; tudo no seu devido momento e com as devidas pessoas. Hoje é a nossa vez de acolhê-lo.

O hoje do pobre
            O pobre – qualquer tipo de pobre – não tem muitas nostalgias e sonhos. Ele, geralmente, tem fé e esperança que vive na caridade. Caridade para com Deus, para com o seu semelhante e para com o meio onde está. Ele tem saudades do quê? Sonha com o quê? Talvez tem saudades dos momentos em que sentiu o amor de Deus mais perto através de gestos humanos que pôde experimentar; talvez sonha em se encontrar com o Deus justo que lhe perdoe suas fraquezas e o coloque em um bom lugar. Nada que vai muito além disso.
            Todavia, tudo isso ele tenta expressar hoje com o seu jeito de ser e de cultuar. Ele tem seus próprios ritos, sua própria maneira de sobreviver. Não tem as mínimas condições de observar o que as instituições exigem, nem mesmo o que os cânones da Igreja dizem. Ele faz do jeito como sabe e como pode. Isto não quer dizer que o pobre não tenha seus ritos e suas formas de expressar sua religião. Alguém disse que “os sacramentais são os sacramentos dos pobres”. Penso ser uma grande verdade, pois ele não possui a clareza e as condições que são exigidas para oficialmente receber os sacramentos; porém tem a intenção e a vontade que superam o que está faltando. Mas, como e em que quantidade? Só Deus é que sabe.
            Se é verdade que a história é a mestra da vida, alguém pode dizer que o pobre, por não ter saudades do passado e nem sonhar com o futuro, tem pouco a aprender com ela. Mas, talvez não seja assim, uma vez que para o pobre a história se concentra no presente, no hoje de suas preocupações. É neste presente que ele aprende continuamente. É no presente que ele experimenta o tempo, na fé, na esperança e na caridade. Assim como também a Igreja é fruto do tempo, e que sempre precisa se atualizar, fazer-se hoje; assim também o pobre traz a sua história, o seu tempo para hoje, e o vive com todo o seu ser.
            Que todas as nostalgias e todos os sonhos se tornem realidade hoje para nós. É este o tempo que Deus nos dá; é este o tempo no qual precisamos reviver o passado, preparar o futuro, contudo vive-lo intensamente hoje no amor compromissado com Deus, com o próximo (mais necessitado) e com o meio que nos circunda. Nada de nostalgias e de sonhos, mas pés no chão!
Pe. Mário Fernando Glaab.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Natal hoje.


NATAL: JESUS ENTRE OS ÚLTIMOS
Pe. Mário Fernando Glaab

            Cada ano se repete o dia do Natal. Para alguns ele é aguardado, para outros nem tanto. Para os cristãos o Natal tem significado todo especial. É a comemoração na qual fazem memória da presença humana de Deus no mundo e com o mundo, desde que Jesus nasceu até hoje e pelos séculos futuros. Cada cristão, além de reavivar a fé na presença de Deus no mundo, sente-se desafiado a levar essa notícia para todos os que ainda não creem nela. Deve compartilhar o Natal.
            Pergunta-se, no entanto, se o homem de hoje ainda se deixa impressionar pelo discurso tradicional que partia das verdades dogmáticas ensinadas durante muitos séculos, quando a visão do mundo era muito diferente de como é agora. Para o mundo hodierno, onde as pessoas estão envoltas em intermináveis questões de ordem social, moral, religiosa, política, econômica etc., ainda tem sentido dizer que o Deus eterno e todo-poderoso deixou o céu para, em Cristo Jesus, trazer a salvação ao ser humano? Falar isso para quem não conhece Deus, para quem só conhece dor, decepção, vícios, drogas; para quem não experimenta o calor da família, para quem não sente apoio e carinho de uma comunidade; para quem só sabe que no mundo existe roubalheira, exploração, corrupção, traição, injustiça, ou que vê as igrejas se digladiando entre si tentando atrair mais fiéis, prometendo resolver todos os problemas em troca de pesados dízimos, tem algum sentido? Anunciar para meninos de rua, para jovens drogados, para famílias separadas, para idosos abandonados, para pobres sem esperança, que esse Cristo nascido em Belém há dois mil anos expulsou demônios e que ele pode milagrosamente solucionar tudo isso, tem sentido? Mesmo que as igrejas estejam cheias de fiéis, estejam iluminadas e bastante enfeitadas, mesmo que nas casas se destaquem papais-noéis, as músicas soem por todos os lados, a mensagem natalina não será entendida e menos ainda, acolhida por esse mundo que tanto precisa dela. Que fazer?
            A verdade a ser celebrada e anunciada é sempre a mesma: Deus está conosco, está em nosso mundo, junto a todo ser humano. Ele veio para ficar. Ele é o Deus-Conosco: Jesus Cristo, o Salvador e, ele quer atrair todos a si. Tem palavras de salvação para todos, a começar pelos mais necessitados, os pobres de todos os rostos. A questão toda está em atualizar esta verdade para o tempo e o espaço que é o nosso. Levar a mensagem para fora dos templos, para as casas, para as ruas, para as cidades e para os campos, lá onde a maioria das pessoas está. Pouco resolve dizer para quem se encontra em situação de extrema necessidade que Deus o ama e que ele deve ser procurado na igreja no dia do Natal. Isso vira afronta desrespeitosa do miserável!
            A proposta mais viável talvez seja a de seguir os mesmos passos que os evangelhos de Mateus e de Lucas dão ao falar do nascimento e da vida pública de Jesus de Nazaré. Eles não usam altas teologias para falar do mistério, mas, na simplicidade falam do nascimento de um menino que não teve onde nascer; apresentam seus pais na mais conflituosa situação, diante de Deus, da religião e das pessoas; falam da vida desse homem que, quando crescido, soube se colocar em favor da vida dos mais miseráveis, daqueles dos quais ninguém mais confiava, dos rejeitados por Deus e pelos observadores das leis religiosas. E o fez a tal ponto de enfrentar todos os obstáculos que encontrou até as últimas consequências: deu literalmente a sua vida por essa causa. Foi condenado à cruz em meio a esses miseráveis. O fez para que todos tenham vida; entendendo vida em dignidade e em plenitude. Os evangelistas chamam esse sonho-realidade de Reino de Deus.

Proposta atual
            Para que esse anúncio natalino seja atual para o homem e mulher de nossos dias e de nossa sociedade ele precisa de inserção na vida de cada um deles. Descer o anúncio das torres das igrejas, dos mercados, das lojas, das árvores enfeitadas. Os evangelistas fizeram-no em seu tempo, a Igreja ao longo dos séculos tentou fazê-lo, hoje os cristãos também precisam encontrar o jeito. Em paralelo aos relatos bíblicos, hoje se pode chamar a atenção sobre o casal, José e Maria, que em situação irregular não abandona a missão de pai e de mãe, mesmo que o mundo os emplaca de atrasados. José que não deixa sua noiva quando ela aparece grávida – não dele –, aparece com muita atualidade; Maria que aceita a vida em seu seio, mesmo não sabendo onde isso a iria levar, é mais do que atual! Quantas jovens mães solteiras passam por situações semelhantes? Quantos moços, quando ficam sabendo que a moça com quem “ficaram” está grávida, são tentados a sumir? O desprezo que o casal experimenta por ser pobre, a perseguição, o trabalho duro, tudo pode lembrar casos e mais casos bem atuais. Essa história, por ser tão atual, não deve ser contada como do passado, mas anunciada como a realidade presente hoje. É a vida de cada um e de cada uma, por pior que possa parecer. Nessa realidade, nua e crua, é preciso dizer que “Deus está conosco”. O anúncio se torna presença somente lá onde o cristão o pratica. Assim como Jesus, como José e Maria, o cristão deve se tornar anunciador da boa notícia para os “pastores” de hoje. Deve estar lá onde eles estão, compartilhando de suas vidas, compartilhando os seus problemas; ajudando-os a vencer os demônios que os possuem, anunciando-lhes o perdão dos pecados e prometendo-lhes vida nova com muita esperança no Pai que instaura constantemente o seu Reino neste mundo.

Ao mistério de Deus por outro caminho
            Com essa proposta não se nega em nada o mistério de Deus entre nós que se celebra no Natal. Quer-se apenas chegar a ele por outro caminho, pelo caminho dos que ocupam o primeiro lugar no Reino anunciado e vivido por Jesus: pelo caminho dos pobres, enganados e abandonados. Ao experimentar com eles e neles um pouco do verdadeiro amor, chega-se, sem dúvida, ao que é central no mistério do Natal e de Jesus, ao Amor infinito de Deus presente no mundo. Se o mundo já não consegue mais entender discursos dogmáticos e abstratos sobre Deus, sobre o seu poder e sobre a moral cristã, ainda pode entender e aceitar a linguagem do amor vivido e compartilhado na verdade e na pureza do coração. Por esse caminho talvez seja possível chegar e levar ao Deus que é Pai, que é Filho e nosso irmão, que é Espírito porque está presente em todos os lugares. Também os que não estão no mundo do consumismo estão nesse caminho. Podemos até dizer que eles são o caminho mais seguro para se chegar ao mistério do Natal.
            Celebremos Jesus que nasce em nossos templos com cantos, orações e muita festa, mas não deixemos de senti-lo e compartilhá-lo junto aos desvalidos da sociedade. É sem dúvida lá que ele renasce com mais intensidade, pois onde está um necessitado, lá ele está entre nós. Caso não o buscarmos e o encontrarmos lá, entre os “pastores” de hoje, os excluídos e espoliados da sociedade, provavelmente também não o encontraremos em nossos templos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Amar é conhecer


O conhecimento pelo amor

            Existem muitas formas de conhecimento: conhecimento teórico, prático, profundo, superficial etc. Tudo depende de como alguém se aproxima do objeto que quer conhecer. Ao se tratar de uma pessoa a ser conhecida, as coisas são mais complexas ainda. Não basta dizer que se conhece alguém, é preciso explicar melhor sobre o que se sabe de determinada pessoa. Mesmo que se tenha um vasto conhecimento, sempre existem “mistérios” que não são captados. E, que na medida em que se aprofunda a forma de aproximação, vão surgindo novos horizontes, novos aspectos; sempre da mesma pessoa.

O conhecimento que vem da fé
            A fé também é uma maneira de conhecer. Ela escapa das comprovações científicas, mas não deixa de ser conhecimento. Mais ainda, quando leva ao compromisso do amor como consequência.
            Temos um exemplo no evangelho de João onde Jesus, ao se encontrar com o cego de nascença que havia curado, e que havia enfrentado os judeus que não aceitavam sua cura, lhe pergunta: “Tu crês no Filho do Homem?”; ao que ele responde: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?”, e Jesus se lhe apresenta com tal. O cego curado se prostra e afirma: “Eu creio, Senhor!” (cf. Jo 9,35-38). O cego curado, a partir daquele momento conhece o Filho do Homem de uma outra forma, bem mais profunda do que os demais, que talvez tinham inúmeras informações sobre Jesus que ele não tinha; mas que não criam. Ele crê por ter experimentado amor. O amor faz conhecer mais profundamente. Certas pessoas e realidades não são conhecidas, a não ser por amor. Quem conhece melhor a mãe do que um filho? E isso não por acúmulo de dados, mas por via do amor experimentado, mesmo sem explicações racionais e lógicas.
            A criança acredita nos seus pais e por isso sabe, pelo amor, quem são eles. Muito mais se sabe sobre Deus, quanto mais se crê e se ama. Aliás, Jesus Cristo é, talvez o ser humano mais estudado de todos os seres humanos que já pisaram sobre a face da terra; mas só o conhece verdadeiramente (até onde é possível para a limitação humana) quem o ama. O amor a Jesus dá outra dimensão que escapa a tudo o que as ciências podem captar. Este amor é sempre compromisso com o Amado, no sentido de se fazer um com Ele. No caso de Jesus, quem o ama, fazendo o que Ele faz, experimenta-o nas obras. Se Jesus ama os pobres, os pecadores, os desvalidos, os marginalizados; também quem com ele está comprometido, ama os mesmos. E aí conhece realidades que de outra forma nunca iria conhecer. Conhece o mistério de Jesus no amor aos últimos, àqueles aos quais ninguém quer amar.
            O cego curado, talvez nos ajude a compreender um pouco do conhecimento amoroso de Jesus para com ele (e para nós): Jesus acreditou nele, e por isso amou. Aprendemos que não se deve amar por causa do valor que o amado tem, mas pelo amor que se lhe pode dar.

Amar a Igreja para conhecê-la
            São muitos os que criticam impiedosamente a Igreja, esquecendo de que antes é preciso conhecê-la. Sabem, sem dúvida, dos pecados do passado e também dos erros no presente de alguns de seus pastores. Porém, com muita facilidade atribuem à Igreja os pecados deles. Como se isso os justificasse a ficar de fora. Quanto mais fora estiverem, menos conhecimento terão.
            Por outro lado, quem de fato crê que a Igreja recebe de Jesus a missão de levar a Boa-Nova a todos os cantos desta terra, e que para isso Ele conta com todos os membros dela, coloca-se na esfera da resposta amorosa. Sente o peso dos pecados sobre seus ombros, mas sabe que é amado, e que no amor colabora no projeto de transformar o mundo para ser um pouco melhor; para trazer vida e alegria para a humanidade. Em outras palavras, colaborar na instauração do Reino de Deus já aqui e agora. Portanto, só conhece a Igreja quem a ama e com ela se compromete. Os que ficam criticando por fora são injustos e correm o perigo de praticarem coisas bem piores do que as que acusam da Igreja.
            Concluindo, é bom e necessário buscar conhecer sempre mais, mas deve-se estar atento para não se esquecer de que existem muitas formas de conhecer; e que as coisas mais profundas exigem aproximações mais profundas. Amar comprometidamente é uma forma de conhecimento que nem todos buscam, mas que também os pequenos e humildes conseguem alcançar.
Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 5 de outubro de 2019

Julgados, mas julgamos!


Que mundo queremos?

            Impressionados com o mundo cheio de maldade, de injustiça e de corrupção às vezes nos perguntamos: que mundo queremos, afinal? É este que está aí, ou queremos um outro? Um outro mundo é possível?
            Não é tão fácil responder. Mas, a partir de um olhar cristão, vamos tentar uma reflexão. Com certeza, não é assim que o cristão sonha o mundo criado por Deus e no qual o Reino de Cristo se constrói e se faz presente. Tendo Jesus de Nazaré e o seu projeto como base, o cristão busca uma maneira diferente de estar nele e de colaborar na transformação dele em um lugar bom para se viver e, onde há espaço para todos, e mais ainda, para todas as manifestações de vida.

Julgados pelo mundo
            O mundo nos julga. Aliás, todos são julgados pelo mundo. Quem está conforme a maneira de ser do mundo é aprovado por ele; quem é diferente, é reprovado por ele. Basta ter os olhos aberto para percebê-lo. Alguns o mundo coloca como seus modelos, como seus heróis e mitos; outros como seus opositores, como os que incomodam e prejudicam o andamento. Quem não se adapta ao seu ritmo, à sua maneira de estabelecer sua “ordem”, é considerado obstáculo.
            Mais do que nunca, os cristãos são julgados pelo mundo de hoje. O mundo, enquanto traça seus próprios caminhos, defendendo seus interesses, lança um forte juízo sobre os cristãos por terem outros projetos, os projetos do Reino de justiça, de perdão, de fraternidade e de inclusão. Quando os interesses do mundo e dos cristãos não se afinam, o mundo emplaca os cristãos de atrasados, de alienados e de comunistas. Cada vez mais, fruto da mentalidade mundana de nosso tempo, preocupar-se com o pobre é visto como sendo comunista! Pobre é vagabundo e desordeiro, e quem o defende não é nada mais do que um deles!
            Até o Evangelho é julgado: ele não pode ser lido em seu contexto histórico, mas somente no sentido de dar conselhos práticos para ter sucesso na vida; ter prosperidade. Jesus é tirado de sua história e de seu ambiente geográfico; colocado nos tronos onde não incomoda; e muito longe das multidões de pobres de nossas periferias. Mas aí, com certeza, ele não se encontra.

Julgamos o mundo
            Não é só o mundo que nos julga; mas nós, como cristãos também julgamos o mundo. Aderindo ao projeto de Jesus de Nazaré mostramos outros valores que desafiam o mundo e seu interesses. É Jesus, seu Evangelho – o Reino – que no cristão estão julgando o mundo. Dizem, sempre de novo: “Felizes os pobres!” (cf. Mt 5,3); e, “todas as vezes que fizestes isso a um destes mínimos que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (cf. Mt 25,40). Isto com palavras, mas principalmente com a forma de agir e de se relacionar com o mundo, e nele, com todo e qualquer tipo de pobre. É aí que se mostra que ser verdadeiramente cristão – seguidor de Cristo Jesus – não deve nada ao comunismo, e que o mundo é muito injusto e mentiroso ao classificar dessa forma os cristãos engajados na realidade e desejosos de construir um mundo mais justo, mais fraterno e melhor para todos viverem.
            Jesus foi julgado, mas este julgamento lançou luz sobre o seu projeto. Defender o pobre, o pequeno, o injustiçado valeu-lhe a morte na cruz; mas é o sinal mais forte e eficaz da justiça divina: Deus justo para com os que sempre são injustiçados. Deu a vida por eles. Portanto, também nós – os cristãos – não somos só julgados, mas julgamos o mundo, ou seja, sentenciamos com eficácia, colocamos o mundo na ordem à qual o mundo é chamado toda vez que praticamos a justiça do Reino. O cristão é sinal de contradição: o mundo destrói e mata; o cristão constrói e faz viver. Sejamos cristãos autênticos, criticados e perseguidos pelo mundo, mas sinais de vida e vitória para os homens de boa vontade. De que lado estamos? É possível outro mundo? É possível ser cristão hoje? Que Jesus sempre seja nosso caminho, verdade e vida.
Pe. Mário Fernando Glaab

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Celebração e Vida


EUCARISTIA: COMUNGAR COM O POBRE

            Eucaristia é ação de graças. Uma obra de agradecimento. Quem agradece, senão aquele que recebeu algo? Algo que não possuía, algo que o enriqueceu. Aí estão em jogo dois elementos: doação e recepção; alguém que dá e alguém que recebe. Dois pobres. O primeiro é pobre porque não está apegado ao que tem e sabe doar; o segundo, porque acolhe um dom que não possuía e o valoriza. Comunhão de pobres que se faz ação de graças.

Ação de graças
            Só o pobre dá graças. O rico não agradece, pois ele acha que merece tudo o que tem. Não questiona de onde vêm os seus bens. Sua ganância não tem limites, só pensa em aumentar mais suas riquezas. Não se importa se os meios para possui-los são corretos ou não. Dar graças é próprio de quem reconhece sua pobreza e sabe valorizar o que recebe. Acolhe e faz frutificar.
            Não é possível dar graças sem compromisso efetivo. Ao acolher um presente, necessariamente, se assume um compromisso: usá-lo para o bem. Isto é ação de graças. Quando uma criança recebe um brinquedo de presente, ela dá graças quando com alegria vai brincar. Assim ao ser contemplado por uma dádiva, dá-se graças por ela na medida em que ela será usada para a finalidade que lhe é própria.
            Nos evangelhos se diz que Jesus, seguindo a tradição dos ritos judaicos, tomou o pão e o vinho e deu graças. Agradeceu ao Pai por estes dons que representavam a vida de seu povo. Mais ainda, fez com que eles se tornassem seu próprio corpo e sangue – sua existência toda – para com eles dar graças a Deus. Ele, Jesus, é o verdadeiro pobre! Ele recebe a missão salvífica do Pai na força do Espírito, e por isso, no seu corpo e sangue dá graças. Entrega-os para a salvação do mundo. Acolhe e faz frutificar.

Cristãos na esteira de Cristo
            O cristão aprende com Cristo. Cristo deu graças ao Pai com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição, sacramentadas na Eucaristia. O cristão, cada vez que celebra com Jesus estes mistérios, coloca-se como pobre na mesma dinâmica: recebe e dá. Acolhe o maior presente de amor de Deus – Jesus Salvador -, e alimentado dele, o dá para a salvação do mundo.
            Assim o cristão, na esteira de Cristo, colabora com a salvação do mundo à medida em que, como pobre, acolhe a existência toda de Jesus e a oferece aos demais pobres. Faz frutificar em sua vida os dons recebidos. Isto é Eucaristia, isto é Ação de Graças.
            Quem toma parte da Ação de Graças de Cristo e da Igreja nunca pode afastar seu olhar do pobre; nunca pode negar a ele uma palavra de consolo; nunca pode deixar de lhe estender a mão; nunca pode deixar de lhe dar alguma coisa, por mínima que seja.
            A comunhão na Eucaristia de Cristo implica num aprendizado, numa caminhada contínua. Inicia com uma caridade mínima como atitude assistencialista: dar algo ao pobre, mas que não o tira de sua situação. Outro passo é a o estar com o pobre: partilhar sua vida, seu modo de rezar e de conviver. É uma forma de amor solidário. Mas alguns chegam, por graça especial de Deus, a viver como pobre. É um despojar interior e exterior, viver com o estritamente necessário, alegrando-se como os pobres, sofrendo como os pobres e rezando como eles rezam. Fazem assim a mais alta Ação de Graças, uma vez que dão um sentido todo novo para a existência. Colocam tudo no seu devido lugar, diante de Deus e diante do mundo.
            Quem comunga dessa forma com o pobre, comunga igualmente com Jesus Cristo e, com este está construindo o verdadeiro Reino de Deus sobre a face da Terra.
            Conforme Jesus explicou, quem de fato irá julgar nossas “eucaristias” é o pobre. O pobre será o nosso juiz! Verifiquemos as palavras de Jesus em Mt 25,31-46.
Pe. Mário Fernando Glaab.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Pobre, Sociedade e Deus.


Os pobres incomodam!

            No seu primeiro inverno na Região Sul, Dom Walter Jorge ao experimentar o nosso frio, retomou uma pergunta de Dom Luciano Mendes, que questionava: “Onde estão dormindo os pobres?” (Gustavo Gutiérrez já perguntava “Onde dormirão os Pobres?” em 1996).  O Bispo chamou a atenção de todos para que ninguém ficasse alheio à situação das pessoas que não têm o suficiente para se abrigar nas noites frias de nosso inverno. Pretendo continuar a reflexão.
            Primeiramente gostaria de perguntar, por que alguém é pobre? Será que é assim mesmo; Deus quis que alguns nascessem ricos e outros pobres? Sem entrar em questões sociológicas, e, partindo do pouco que sabemos de Deus pela nossa fé, devemos admitir que não pode ser assim. Deus não pode fazer acepção entre seus filhos: uns abastados, outros carentes. Devem existir outras causas.
            Deixando de lado o emaranhado de explicações dos porquês, os teólogos da libertação afirmam com convicção que na verdade não existem pobres, mas empobrecidos. Quer dizer, se alguns têm demais, outros têm de menos. E isto significa que ninguém é pobre por natureza, mas é empobrecido. E cada vez que o empobrecido aparece, ele incomoda, uma vez que sua simples existência é um clamor de justiça e pergunta sobre o Deus que cria por amor.

A sociedade se faz surda
            Só existe quem é ouvido. A sociedade faz tudo para não ouvir os empobrecidos: tira-lhes a voz para que “não existam”. Pior ainda, nos últimos tempos assiste-se a uma onda de ódio contra os pobres, pois eles incomodam os ricos, querem se apossar dos seus direitos. Nada melhor do que colocar a culpa sobre as vítimas, os empobrecidos. Esta mentalidade os exclui por completo. Eles são a escória da humanidade, precisam ser esquecidos. Os direitos sociais são rejeitados, pois tiram dos ricos para dar aos pobres. Os ricos mereceram, enquanto os pobres são culpados de sua desgraça e mesmo assim querem ter direitos! Odiá-los é o melhor meio de abafar sua voz. Aliás, os pobres por si não têm voz. Quem grita por eles?
            O pobre dificilmente consegue gritar; não sabe expressar a sua dor, sua carência. Ele não tem palavras, e nem sabe que é um empobrecido que precisa clamar. Aqueles que querem interpretar sua dor, geralmente falham. Pois olhar de fora não é a mesma coisa do que ser um deles.
            Mas, e por que o pobre é odiado? Porque incomoda! Não ouvi-lo é não existir para o pobre.

Deus é o “Sou”
            Deus ouviu e ouve o grito dos pobres. Seu Espírito (chamado Pai dos Pobres) é que grita, é quem dá forças para os pobres clamarem. Porém, ouve a voz do Espírito somente aquele que entende do Espírito. Quem não se abre ao Espírito não consegue ouvir sua voz.
            Deus é o “Sou” porque ouve a voz do Espírito no empobrecido. Ele desce para libertá-lo. E mais, ele vem pessoalmente em Jesus para salvá-lo. Justamente por isso, este Deus de Jesus é odiado, também hoje. Cada vez que se despreza um irmão mais pequeno (empobrecido) é Jesus que é desprezado e odiado. Ele continua sendo julgado, condenado e crucificado. O importante é colocar a culpa nele! Ele é vítima, pois sua maneira de ser é uma blasfêmia diante de Deus: como pode se misturar com esta gente de má índole? Todavia, quanto mais ele é rejeitado, tanto mais ele incomoda.
            Porém, para quem sabe ouvir a voz do Espírito, este Jesus odiado e rejeitado pelos ricos é o Deus verdadeiro; aquele que “é”. Pois, é este que ouve e se identifica com o mais humilde de todos os seres humanos. Ele não observa de fora, mas é um deles. Muitos não ouvem a sua voz porque não têm o Espírito em si.
            Mesmo que a mentalidade neoliberal faz tudo para que os sem voz sejam esquecidos, que sejam “não existentes”, os verdadeiros cristãos – seguidores de Cristo Jesus – devem lhes dar ouvidos, tornando-se assim eles, como Deus, “existentes”, e por sua vez, dando voz ao clamor do Espírito no empobrecido, que quer renovar a face da terra. Somente nesta renovação haverá vida para todos, e todos terão vez e voz.
            Não tenhamos medo de ir onde dormem os pobres, mesmo que a noite seja fria e eles sejam difamados pelos que tem demais. Eles incomodam, sim; mas Jesus de Nazaré também incomodou. Por isso foi pregado na cruz. E ressuscitou!
Pe. Mário Fernando Glaab


sexta-feira, 5 de julho de 2019

O Reino de Cristo como horizonte


MALDADE E BONDADE

            Um teólogo atual escreveu: “O mal é inteligente, ativo, voluntário, decidido, perverso e produtor de perversão – é demoníaco e é pessoal, é o maligno ‘e seus anjos’ (Mt 25,41) -, os anjos de carne e osso, mensageiros do maligno que infernizam a vida do mundo” (L. C. Susin); e no mesmo livro (O tempo e a eternidade) o autor escreveu: “Não há melhor representação dos deuses do que as estátuas em sua imutabilidade, bela mas trágica eternidade sem o movimento da vida”. Isto me fez pensar, e resolvi compartilhar o seguinte:

Maldade
            O mal, dizem os filósofos, não existe; ele é apenas a ausência do bem. Pode ser verdade. Mas, a maldade se mostra com muitas caras; e como! Talvez ela não esteja solta por aí, porém em muitas pessoas que deveriam ser boas, há carências; e, em consequência disso tornam-se más. Aí está a maldade. Elas não são o mal, mas a maldade está nelas. Ou ainda, por não serem boas, deixam que a não-bondade as possua.
            Quando o teólogo fala das qualidades do mal (inteligente, ativo, voluntário...), ele está apresentando a dinamicidade das carências. Os vazios de bondade que se preenchem com maldades. Não há nada de estático, de parado. Os espaços vazios serão ocupados. Esta é uma lei da natureza. E isso vale também para as pessoas que deixam espaços em suas vidas sem ocupá-los com coisas boas. Já dizia um formador espiritual: “Quem não se ocupa, o diabo ocupa!”
            A maldade que se instala no coração das pessoas faz muito mal. Mal que afeta, não de forma abstrata, mas diretamente a “vida do mundo”. É a perversidade agindo e infernizando. Contudo, isto por haver anjos maus “de carne e osso” que agem pessoal e diretamente. Quando se diz que “infernizam”, entende-se que dificultam, ou lutam contra a vida do mundo. Isto quer dizer que a maldade impede a verdadeira vida; e que o mal instalado nos humanos é obstáculo e até morte, por impedir a vida.

Bondade
            Bom é aquele que possui o Bem. Sabe-se também que o Bem está acima de toda capacidade humana, ele é infinitamente superior à criatura humana; então pode-se dizer que bom é aquele que é possuído pela Bem. Ou ao menos, é o sujeito no qual existe uma parcela da bondade do Bem.
            Se a maldade é dinâmica, se ela perverte o mundo; muito mais a bondade transforma e renova a vida no mundo. O autor citado, ao falar da imutabilidade dos deuses representados nas estátuas, lembra que eles nada fazem contra os ataques da maldade. São sem movimento. Então, a bondade que vem do Bem no íntimo das pessoas não pode ser estática. Ela é vida, e vida que se renova, que cresce, que se movimenta em direção a uma meta. Existe um horizonte que é a força motriz de toda a bondade. A bondade vem do Bem que é o Deus da vida, não dos deuses sem vida.
            A bondade, como valor positivo, tem muito mais força transformadora que a maldade, uma vez que engloba tudo em si. Se a maldade usa as armas da violência, a bondade usa a vitalidade do amor que não reage ao violento, mas o procura converter. O amor somente busca justiça, no sentido de que a bondade possa atingir a todos, transformando igualmente o maldoso.

O Reino como horizonte
            Sem dúvida, no mundo convivem as duas realidades, a bondade e a maldade; porém elas estão em luta contínua entre si. Não abstratamente, mas no interior das pessoas e entre as pessoas. Mesmo que às vezes se tem a impressão de que a maldade está vencendo, não se deve esmorecer. Alguém já venceu em nome do amor. Este é Jesus Cristo, o Filho de Deus humanado, que foi a vítima de todos os malvados. Ele ressuscitou e está vivo; na força de seu Espírito move os corações de todos os que o aceitam na fé para levar adiante seu projeto de vida e bondade, o Reino de Deus.
            Para nós o Reino ainda está no horizonte, isto é, algo que se aproxima sem se tornar objeto possuído, pois está no além do próprio Deus; mas para o Ressuscitado ele é realidade possuída. Tenhamos este horizonte diante de nós; e, na fé em Jesus Cristo, na força de seu Espírito, lutemos contra qualquer maldade, venha ela de onde vier, na certeza de que um dia a bondade, presença do Bem nos humanos, há de vencer também em nós.
Pe. Mário Fernando Glaab

sábado, 25 de maio de 2019

Pelo Pobre ao Espírito.


ESPÍRITO, COMUNIDADE E POBRE

            Há novo despertar do cristão e dos povos para a presença do Espírito, na Igreja e no mundo, assim como nas atividades diárias da humanidade. Cada vez mais se toma consciência de que a história das pessoas e dos acontecimentos possui uma “alma”, e que esta, mesmo latente, é de grande importância. O cristão, sem esquecer a dimensão trinitária de sua existência, sabe que está na “era do Espírito”. O Espírito, derramado pelo Pai e pelo Filho, está no mundo conduzindo a história para o seu fim, querido por Deus.

Espírito do Ressuscitado
            Existe o risco de se pensar o Espírito separado do Pai e do Filho. Isto deve ser evitado. Sempre se deve falar a partir do Pai que enviou seu Filho Jesus que morreu e ressuscitou. O Pai e o Filho, para completar a obra da salvação, enviam o Espírito Santo. Portanto, o Espírito Santo é sempre o Espírito do Ressuscitado. O mesmo Espírito, doador de vida, que esteve com Jesus desde o início até o fim, e que o ressuscitou dentre os mortos (cf. Rm 8, 11), é o que está e atua também hoje entre nós e no mundo todo.
            O Espírito do Ressuscitado, derramado sobre a nova comunidade, faz com que as mais diversas procedências entendam em sua própria língua a mesma mensagem. A mensagem da igualdade, da fraternidade, do amor. Surge aí, pois, uma nova comunidade, representada pelos mais diversos povos que se reúnem e entendem (cf. At 2,8-12).
            A maravilha do Pentecostes produz o seu fruto na comunidade onde cada um coloca os seus dons ao serviço do Reino. É na comunidade que as coisas acontecem. Então, o Espírito está na comunidade e leva à comunidade. A comunidade se torna o grande sinal eficaz de uma realidade nova. Apesar das limitações de cada uma, na comunidade já está em realização o sonho de Jesus: o Reino de Deus, seu Pai, em andamento.

O Espírito e o pobre
            No Reino de Deus todos têm o seu lugar; todos são chamados a tomar parte. Os últimos serão os primeiros, conforme Jesus ensina. E, para os pobres é anunciada a boa nova: “um ano do agrado do Senhor” (Lc 4,19). Isto é obra do Espírito que está sobre Jesus.
            Quem é o pobre do qual Jesus fala e que é possuído pelo Espírito? Partindo de Jesus que diz “eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10), e de seu projeto de libertar os necessitados, podemos afirmar que o pobre é aquele que menos vida tem. Hoje em nossa realidade, pobre é todo aquele que não consegue viver bem: o doente, o idoso, a criança desamparada, o carente de bens, de justiça, de cidadania, de cultura, de dignidade, todos os excluídos da sociedade, os que vivem nas “periferias sociais” e até religiosas. Existem os que são discriminados por serem diferentes, por racismo, por intolerância; alguns são perseguidos e até torturados. Tudo isso sem falar dos inúmeros desempregados, dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-educação e dos sem-saúde, dos sem-liberdade. A cada dia estamos em contato com o pobre. Perguntamos: o que o Espírito tem a nos dizer sobre tudo isso? Onde está Ele? Em nós? No pobre? Onde podemos experimentá-lo como renovador da face da Terra?

Dinamismo espiritual
            O Espírito é força, é dinamismo. Jesus, na força do Espírito nunca parou e nem desistiu. Ele agiu até o fim. Assim também acontece com quem se deixa encontrar pelo Espírito hoje. Ele o transforma e o faz agir. Não fica alheio ao irmão pobre. Junta-se a ele, com ele, e forma comunidade.
            Todas as iniciativas, sejam elas conscientes ou não, quando promovem o bem das pessoas, da sociedade, do mundo, são manifestações da ação do Espírito. Em toda pequena oferta, na força da união, no pobre que se liberta está o Espírito de Deus com o seu dinamismo. Quanto mais movimentos de libertação começam, tanto mais o Espírito é experimentado. Ele está aí, basta ter os olhos da fé bem abertos para enxergá-lo, ter um pouco de boa vontade para senti-lo, um pouco de esperança para aguardá-lo.
            Toda a coragem que homens e mulheres testemunham quando enfrentam maledicências, perseguições, violências, prisões, torturas, exílios, assaltos e assassinatos, representam a força do Espírito Santo sustentando as comunidades na luta e na esperança.
            O Espírito não foi embora do nosso mundo, mas está aí, agindo, iluminando e conduzindo. É claro que os poderosos desse mundo não o conhecem, mas os que são pobres, humildes e misericordiosos o conhecem e colaboram com Ele. É na comunidade onde vivem e que defendem a vida que encontram o Espírito.
            Vinde Espírito Santo, e renovai a face da Terra.
Pe. Mário Fernando Glaab

terça-feira, 2 de abril de 2019

Celebração e vida.


EUCARISTIA: COMUNGAR COM O POBRE

            Eucaristia é ação de graças. Uma obra de agradecimento. Quem agradece, senão aquele que recebeu algo? Algo que não possuía, algo que o enriqueceu. Aí estão em jogo dois elementos: doação e recepção; alguém que dá e alguém que recebe. Dois pobres. O primeiro é pobre porque não está apegado ao que tem e sabe doar; o segundo, porque acolhe um dom que não possuía e o valoriza. Comunhão de pobres que se faz ação de graças.

Ação de graças
            Só o pobre dá graças. O rico não agradece, pois ele acha que merece tudo o que tem. Não questiona de onde vêm os seus bens. Sua ganância não tem limites, só pensa em aumentar mais suas riquezas. Não se importa se os meios para possui-los são corretos ou não. Dar graças é próprio de quem reconhece sua pobreza e sabe valorizar o que recebe. Acolhe e faz frutificar.
            Não é possível dar graças sem compromisso efetivo. Ao acolher um presente, necessariamente, se assume um compromisso: usá-lo para o bem. Isto é ação de graças. Quando uma criança recebe um brinquedo de presente, ela dá graças quando com alegria vai brincar. Assim ao ser contemplado por uma dádiva, dá-se graças por ela na medida em que ela será usada para a finalidade que lhe é própria.
            Nos evangelhos se diz que Jesus, seguindo a tradição dos ritos judaicos, tomou o pão e o vinho e deu graças. Agradeceu ao Pai por estes dons que representavam a vida de seu povo. Mais ainda, fez com que eles se tornassem seu próprio corpo e sangue – sua existência toda – para com eles dar graças a Deus. Ele, Jesus, é o verdadeiro pobre! Ele recebe a missão salvífica do Pai na força do Espírito, e por isso, no seu corpo e sangue dá graças. Entrega-os para a salvação do mundo. Acolhe e faz frutificar.

Cristãos na esteira de Cristo
            O cristão aprende com Cristo. Cristo deu graças ao Pai com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição, sacramentadas na Eucaristia. O cristão, cada vez que celebra com Jesus estes mistérios, coloca-se como pobre na mesma dinâmica: recebe e dá. Acolhe o maior presente de amor de Deus – Jesus Salvador -, e alimentado dele, o dá para a salvação do mundo.
            Assim o cristão, na esteira de Cristo, colabora com a salvação do mundo à medida em que, como pobre, acolhe a existência toda de Jesus e a oferece aos demais pobres. Faz frutificar em sua vida os dons recebidos. Isto é Eucaristia, isto é Ação de Graças.
            Quem toma parte da Ação de Graças de Cristo e da Igreja nunca pode afastar seu olhar do pobre; nunca pode negar a ele uma palavra de consolo; nunca pode deixar de lhe estender a mão; nunca pode deixar de lhe dar alguma coisa, por mínima que seja.
            A comunhão na Eucaristia de Cristo implica num aprendizado, numa caminhada contínua. Inicia com uma caridade mínima como atitude assistencialista: dar algo ao pobre, mas que não o tira de sua situação. Outro passo é a o estar com o pobre: partilhar sua vida, seu modo de rezar e de conviver. É uma forma de amor solidário. Mas alguns chegam, por graça especial de Deus, a viver como pobre. É um despojar interior e exterior, viver com o estritamente necessário, alegrando-se como os pobres, sofrendo como os pobres e rezando como eles rezam. Fazem assim a mais alta Ação de Graças, uma vez que dão um sentido todo novo para a existência. Colocam tudo no seu devido lugar, diante de Deus e diante do mundo.
            Quem comunga dessa forma com o pobre, comunga igualmente com Jesus Cristo e, com este está construindo o verdadeiro Reino de Deus sobre a face da Terra.
            Conforme Jesus explicou, quem de fato irá julgar nossas “eucaristias” é o pobre. O pobre será o nosso juiz! Verifiquemos as palavras de Jesus em Mt 25,31-46.
Pe. Mário Fernando Glaab.

sábado, 2 de março de 2019

Conversão Quaresmal.


QUARESMA: TEMPO DE VOLTAR PARA DEUS E PARA O IRMÃO

            Não resta dúvida que nós, seres humanos, estamos sempre em tensão entre o bem e o mal. Enquanto estivermos nesta terra, a luta continua. Na história há luzes e sombras, e ninguém de nós é só portador de bem; acompanha-o sempre a sombra do mal. E por isso, necessitamos momentos fortes que nos facilitem o retorno para o bem: para Deus e para o irmão. A quaresma é um tempo especial para esta conversão.

Opção consciente pelos valores do Reino
            Para os cristãos a conversão consiste em optar pelo Reino de Deus, anunciado e inaugurado por Jesus de Nazaré. Este é o Bem por excelência: Deus com o seu povo. Conversão é uma opção consciente para a bondade, para a luz e para a graça; coisas que apontam para a plenitude. Isso já se realizou plenamente em Jesus. Contudo, em nós o reino do pecado ainda tem os seus poderes nefastos. Precisamos nos colocar do lado de quem o venceu para sermos igualmente vencedores com ele. Estar do lado de Jesus e do Reino de Deus implica em ser parecido com ele, em sair de si e estar diante de Deus que vai ao encontro de todas as suas criaturas, principalmente dos mais pobres e vulneráveis. Optar pelo Reino é optar pelo irmão. A fraternidade é o grande valor do Reino. Não é possível conversão sem fraternidade! “Onde está o teu irmão?”.
            Quanto mais fraternos formos, mais críticas e incompreensões teremos. Basta olhar para o Homem de Nazaré. Ele que só quis o bem, sucumbiu à sanha do mal. Enfrentou dois processos: o religioso e o político. Foi condenado por ambos! Porém, não se furtou dos valores que defendia; e defendeu até o momento derradeiro. Hoje não é muito diferente. Quem pretende ser como Jesus de Nazaré será incompreendido (e perseguido) por muitos, até por autoridades políticas e religiosas. Quaresma é um tempo para se pensar nisso à luz da Palavra de Deus, da própria Palavra feito carne, Jesus, o Cristo. Ele tem muito a nos ensinar.

Aceitar os limites
            As horas, os dias e os anos passam. Sempre de novo ouvimos dizer que é preciso mudança de vida, dizer não ao mal e dizer sim ao bem: se converter. Mais uma quaresma, mais uma Campanha da Fraternidade, como tantas outras. No entanto, tem-se a impressão de que o antirreino ainda surge mais forte. Percebemos que, apesar de tantas iniciativas, ainda não conseguimos nos desvencilhar totalmente das maldades. Somos tão limitados e, diante das tentações, frequentemente cedemos.
            É necessário aceitar os limites de nossa condição humana. Lutar com perseverança, sem nunca desistir. Como fez Jesus? Aos terríveis sofrimentos físicos se somaram os espirituais: a tentação do desespero. O Pai parecia estar longe: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Porém, ele se entregou ao Mistério. Não entendeu mais nada! O Abba não responde! Onde este Ele agora?! Todavia, se entrega: “Dando um grande grito, Jesus expirou” (Mc 15,37). Mesmo morrendo a pior de todas as mortes, ele continua a confiar em Deus.
            Jesus aceitou todos os limites, o sofrimento e o abandono total, desceu até o inferno do abandono de Deus, seu Pai. Não deixou de confiar. Cabe a nós contemplar este trágico espetáculo, assumir a causa de Jesus, e, confiar até o último instante. Os limites nossos, de nosso próximo, da natureza e dos acontecimentos da história certamente nos desafiarão. Seremos tentados por todos os lados. Mas se continuarmos a caminhada no seguimento do Divino Mestre, com toda certeza, haveremos de ver a vitória da Ressurreição. Mesmo que a vida nos prepare amargas surpresas, se nos mergulhar na escuridão, se não sentirmos mais a palma da mão de Deus, ou até perguntarmos “Deus existe de fato?”, ainda poderemos e devemos confiar, pois são os limites que nos afligem, mas que não são mais fortes que o amor de Deus.

Quaresma com Jesus e com o Irmão
            Então, não faz nenhum sentido se preocupar com isso e com aquilo, se pode fazer ou não fazer certas coisas durante a quaresma; se tudo isso não for em vista do retorno a Deus e ao Irmão.
            No dia a dia ninguém está livre da tormentosa travessia pelo “vale de lágrimas”. Porém, o cristão sempre tem diante dos olhos a vida, a paixão, morte e a ressurreição de Jesus Cristo; e esta lhe dá coragem para avançar rumo aos valores do Reino. A consciência disso se reaviva na quaresma, enriquecida entre nós pela feliz iniciativa da Campanha da Fraternidade.
            Em palavras bem simples, conversão é um voltar para Deus e para o Irmão: pensar com Jesus, sofrer com Jesus, suportar a escuridão com Jesus, sentir o abandono com Jesus, descer até a última solidão da alma com Jesus. Aí perseverar e esperar que alguma luz venha de algum lugar que só Deus conhece. Perseverando nessa travessia conheceremos o destino último de Jesus: a irrupção de um sol que não conhecerá mais ocaso, uma vida nunca mais ameaçada pelo sopro da morte. Saberemos o que significa Ressurreição.
Pe. Mário Fernando Glaab