Pe. Mário Fernando Glaab
Também no anúncio do Evangelho o marketing exige que se usem meios que atraiam pela sua beleza e pela praticidade. Isso não pode ser ignorado. É necessário, pois uma sociedade que é bombardeada por todos os lados com anúncios e propostas tentadoras não consegue ouvir vozes que não produzem sons alarmantes ou, ao menos, bons de serem escutadas.
Dentro dessa nova perspectiva do marketing surge a questão da verdade. Ela não pode ser transgredida ou mutilada. A verdade é sempre verdade. Sem dúvida, pode e deve ser revestida com roupas novas e atraentes para que chame a atenção do público que anda apressado pelas ruas das grandes cidades. No entanto, a preocupação com a aparência não pode, de forma alguma, esquecer do conteúdo. Tratando-se das questões centrais da fé e da vida cristã, a verdade de sempre continua a mesma também hoje. De nada adianta mostrar uma roupagem bonita se esta roupa não veste o corpo verdadeiro da fé e dos costumes cristãos.
Constata-se cada vez mais que, com a intenção de explicar a complexidade dos acontecimentos da história de cada um e do conjunto da convivência humana, que as idéias e as concepções sobre Deus, usadas cotidianamente, são falsas. Melhor dizendo, criam-se outros deuses. Esses deuses, geralmente “todo-poderosos”, usam o seu poder arbitrariamente, e por isso necessitam ser convencidos ou comprados pelos homens, através de orações, de doações ou de promessas, para que façam o que o ser humano, na sua grande sabedoria, conhece e determina ser o certo. Quando os acontecimentos vão à deriva do que se espera ou se pede; então nada mais sobra do que afirmar: foi Deus quem quis assim!
Esses deuses criados, à nossa imagem e semelhança, não surgem por acaso, mas é sobre eles que se descarrega a arrogância humana que não quer reconhecer os seus próprios limites. O orgulho que desde o início foi a causa dos muitos sofrimentos que afligiram a humanidade continua também hoje conduzindo o pensamento e a ação de muitos homens. Assumir os próprios erros e limites nunca foi fácil. É bem mais cômodo encontrar um bode expiatório sobre o qual se coloca a culpa que é nossa.
O grande problema está em partir da idéia de um Deus distante, que nos foi ensinada a partir de conceitos abstratos, de catequeses sem compromissos reais com a vida da família e da comunidade. Até mesmo Jesus aparece como Deus, cheio de poder, mas tão pouco humano. A sua figura é revestida de sinais divinos, auréolas, olhar distante, estendendo a mão e dando ordens; por onde passava, os milagres aconteciam, os demônios eram expulsos, os adversários eram calados. Fica claro que concepções assim justificam a arrogância humana: o ser humano que sabe o que é certo e o que é errado deve, por meio da oração, “convencer” a Jesus ou a Deus para que faça exatamente isso ou aquilo que se quer. Quando não o faz, a culpa é dele. Todas as responsabilidades humanas estão justificadas.
Talvez, cada vez mais, os padres e os pastores das comunidades, têm hoje a árdua tarefa de “defender” a Deus diante das graves acusações que são proferidas contra Ele. Como exemplo, cito o caso de um grave acidente automobilístico que vitimou um pai de família. Durante a missa do sétimo dia um membro da família afirmou que “Deus nos ‘aprontou’ uma: infelizmente Deus quis assim (deixar a mulher e os filhos passar por essa dor)! Mas agora, vamos pedir para que ele, esposo e pai, interceda diante de Deus pela família, para que agora, Deus cuide dela”. Se não fosse um momento de dor e de muita sensibilidade, esse comentarista mereceria uma repreensão pública. Culpar Deus, de maneira tão descarada, é uma calúnia que não poderia passar em branco: uma blasfêmia! Esse linguajar é comum não somente entre pessoas menos esclarecidas, mas até entre os mais preparados, os que deviam ser mais prudentes para poder ajudar aos demais, se ouve coisas desse gênero. Usam, sem escrúpulos, argumentos tão injustos.
Pode-se interrogar: mas adianta, em situações como essas, falar das responsabilidades humanas, ou dos erros que foram cometidos, das irresponsabilidades, das imprudências? Talvez não seja, de fato, o momento mais oportuno de se falar sobre erros humanos (esta reflexão deve ser feita mais tarde, em outros momentos), mas a hora é muito propícia de se falar da presença de Deus aos sofredores. É justamente no momento da dor que se precisa testemunhar a presença de Jesus Cristo. Jesus mostrou Deus, não com altos discursos teológicos, mas no estar com os mais necessitados. Lá onde havia sofrimento, lá ele estava. Onde estava o irmão sofredor ele agia, curava, libertava, perdoava e instruía.
Está mais do que na hora de que se volte para o Deus de Jesus de Nazaré. Somente olhando para este Jesus concreto é que iremos conhecer o verdadeiro Deus: aquele que é Pai de todos, aquele que se preocupa com todos. Tudo consiste em crer ou não crer verdadeiramente em Jesus. É por meio de sua humanidade que chegamos, até onde for possível, à sua divindade. O amor anunciado e vivido por Jesus de Nazaré é a interpretação acessível do mistério divino para todo ser humano.
Conclui-se assim, que antes de se apresentar como pregador do Evangelho, o padre ou pastor, precisa seguir os passos de Jesus de Nazaré – ser discípulo – para formado por ele, ter coragem de falar do verdadeiro Deus. A defesa de Deus pode exigir muita coragem e, quem sabe, até resultar em antipatia – uma vez que se esperam sempre palavras bonitas -, mas a justiça deve ser levada em conta. Precisamos ser justos também com Deus. Ele conta conosco. Foi para isso Cristo convidou e enviou os seus discípulos em seu nome.
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