TEOLOGIA DA PROSPERIDADE – A HERESIA DOS NOSSOS DIAS
Pe. Mário Fernando Glaab
“Se Deus quiser”, é o que mais se ouve quando o assunto é sonhos e desejos das pessoas. Ainda mais quando elas estão em situações complicadas nas quais as forças humanas parecem falhar. Como resolver certas questões que fogem às capacidades materiais, intelectuais e profissionais dos indivíduos? O jeito é apelar para soluções religiosas. Deus pode e deve intervir, pois ele é o todo-poderoso, afirmam. O segredo a ser descoberto não está no poder dele, mas na forma de se chegar melhor a ele, isso é, por meio de que religião ou de quais práticas piedosas; onde funciona melhor tal acesso, ou por onde se chega antes? E, por outro lado, não se tem nenhum escrúpulo em afirmar, quando as coisas não deram certas, quando faltou sorte, que “Deus não quis!” Acidentes, doenças, reprovações em provas, insucessos nos negócios, tudo acontece porque “Deus não quis”. Pior ainda, por vezes, quem leva a culpa daquilo que não deu certo é o diabo. Pobre do diabo! - Bode expiatório das incompetências humanas.
Explorando a confiança em Deus, tão enraizada no povo simples de todos os tempos, surge, com forte poder de sedução, a heresia da teologia da prosperidade. Ela não é novidade de nossos dias, mas nos últimos tempos cresceu e assumiu proporções assustadoras. Por sobre os desafios cada vez mais prementes da sociedade atual, ela encontra terreno fértil. É bem mais confortável “confiar” em Deus do que arregaçar as mangas e ir para a luta. Quando, por omissão ou incompetência, não se alcança o esperado, jogar a culpa em Deus ou no diabo, também é mais fácil. Contudo, isso não é somente fruto de uma doutrina mal entendida do costume de rezar para pedir sucesso nos empreendimentos; mas é planejado e ensinado por pegadores interesseiros. Não há dúvida de que já desde o início da era cristã, esse aspecto, por falta de conhecimentos e por interesses estranhos, existiu e persistiu. Basta lembrar os abusos na Idade Média com a venda de indulgências que provocaram a revolta dos reformadores. Em nossos dias, no entanto, o problema está tomando proporções alarmantes.
Tudo parte da concepção de Deus que se tem e que é ensinada, tantas vezes ta distante do Deus bíblico. O Deus que se revela na bíblia, principalmente no Novo Testamento, é o Deus-amor (cf. 1 Jo 4,16). Ele não sabe fazer outra coisa a não ser amar. Ele não pode querer o mal nunca; e nem sequer pode não querer o bem de suas criaturas, especialmente de seus filhos e filhas. Ao ser coerente com a visão bíblica de Deus não se pode admitir que Deus-amor possa “permitir” que o mal aconteça para alguém. O mal existe porque as criaturas são limitadas e, como tal, sujeitas a ele. Os seres humanos provocam-no ao usar inconvenientemente a liberdade, que também é finita. Contudo, o apoio e a graça de Deus estão sempre ao dispor de cada um, sem discriminação. Deus não ama mais um do que o outro, só porque este fez algo de bom; e Deus não deixa de amar alguém porque fez algo errado; isso porque Deus é bom. É sempre bom saber que Deus ama cada ser humano não porque o ser humano é bom, mas porque ele é bom. Deus fez o ser humano bom por ser o Deus de bondade. Este é o núcleo central do anúncio de Jesus de Nazaré. E é essa Boa Nova que precisa ser descoberta sempre de novo. Ela se encontra não em abstrações aéreas, mas no encontro vivo com a pessoa, a história e a vida concreta de Jesus de Nazaré, que hoje se torna possível quando se tem os pés no chão, isso é, quando se experimenta a presença e a ação dele na vida do planeta, principalmente na vida ameaçada dos seres humanos. A vida ameaçada grita mais forte no rosto dos pobres de todos os tipos: pobres de bens materiais, pobres de cultura, pobres de fé, pobres do sentido da vida. Aí é que o anúncio vivo do Evangelho se torna verdade. Verdade que é compromisso de transformação. O Homem de Nazaré está aí, não para com um toque de mágica resolver todos os problemas dos humanos, mas para doar continuamente a sua vida, para que todos tenham vida em abundância (cf. Jo 10,10). Uma vez de posse dela, partilhá-la entre si, e assim, ajudando-se mutuamente, vencer o mal pelo bem.
Por isso é mais do que urgente redescobrir o verdadeiro Deus bíblico, o Deus de Jesus de Nazaré. Muitos deuses falsos apareceram durante a história. O que muda é a maneira como eles se apresentam. Mas na essência são sempre os mesmos. Para enganar, eles são tentadores: prometem tirar as cruzes dos ombros de seus seguidores, aliciam com promessas de prosperidade, muito sucesso nos negócios e, aliviam as consciências dos faltosos jogando a culpa no diabo. Assim vale a pena viver! Todavia, em sã consciência, pode-se dizer que é esse o Deus revelado em Jesus de Nazaré?
No mundo globalizado onde tudo vale quando dá lucro, onde as leis do comércio ditam as regras, também as religiões são envolvidas no mesmo emaranhado. Se no passado havia abusos que exploravam a fé das pessoas, hoje eles são mais numerosos. Não se teme tomar o nome de Deus em vista de vantagens pessoais ou do grupo. Existem inúmeros os pregadores que literalmente vendem graças, bênçãos e curas, tanto físicas como espirituais. Quanto mais o fiel investe orando e pagando, tanto mais Deus é obrigado a atender. Os diabos são expulsos pela força que o pregador diz possuir – mas não faz uso desse poder sem esperar algo em troca. Contudo , essa prática não se restringe apenas a certos grupos mais exaltados, está presente em quase todas as igrejas. Algumas conseguem camuflar e elevar o nível das pregações, mas não estão livres da visão errada de Deus e da prática religiosa. O que querem é “aproveitar” do desejo de ser bem-sucedido, tão em voga no homem contemporâneo, e assim fazer adeptos e levar vantagens. Como diz um teólogo: “Não obstante as diferenças históricas, as indulgências de ontem e os rituais de prosperidade de hoje tomam como base da operação religiosa o desejo humano de ser bem-sucedido nessa e na outra vida” (João D. Passos). É a teologia da prosperidade que se constitui em heresia, mais perigosa hoje que no passado.
De quem é a culpa? Sem querer apontar um culpado, convidamos à reflexão. Se as igrejas se preocupassem mais em ter suas doutrinas sempre atualizadas, bem explicadas e acessíveis aos fiéis em geral, será que não mudaria muita coisa? Ter consciência, como diz outro teólogo, que “a teologia deve ser viva e estar a serviço da vida, mesmo que para tal tenha de repensar aquilo que outrora era verdade inquestionável” (Silas Guerriero) não ajudaria a evitar tais abusos? Quem sabe, se de fato a teologia se tornasse importante, isso é, fizesse o seu papel de interpretar as coisas deste mundo à luz da fé, dar a elas o seu sentido último em cada época e em cada situação; se os teólogos fizessem o seu trabalho com dedicação e sinceridade, visando a verdade sem interesses próprios; se os pregadores dessem mais atenção aos teólogos; e, se os fiéis não engolissem qualquer pregação, mas se perguntassem sobre sua origem e seriedade, a heresia cairia vertiginosamente.
A heresia da teologia da prosperidade somente será vencida quando cada um e cada uma assumir a sua dignidade e, consequentemente, os seus compromissos. O ser humano é sempre finito e assim se depara com suas limitações. Precisa, no entanto, assumi-las com responsabilidade. Não atribuir a Deus o que cabe a ser humano fazer e, igualmente não culpar a Deus ou ao diabo pelos seus erros e suas limitações.
Referências bibliográficas
PASSOS, João Décio. Ser como Deus: críticas sobre as relações entre religião e mercado, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
GUERRIERO, Silas. A diversidade cultural como desafio à teologia, in: BAPTISTA, P. A. N. e SANCHEZ, W.L. Teologia e Sociedade: Relações, dimensões e valores éticos, São Paulo: Paulinas, 2011.
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