sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Ingratidão

A GRAVIDADE DA INGRATIDÃO
Pe. Mário Fernando Glaab
Gratidão
            Pessoas educadas, pais, professores, enfim, a maioria das mulheres e homens sabe como é importante ser grato diante de qualquer coisa que alguém fez; sabem igualmente que o incentivo e a aprovação têm forças enormes para o aperfeiçoamento das pessoas. Mais ainda os cristãos são, e sabem ser gratos, pois aprendem continuamente com Jesus Cristo a darem graças. Jesus foi o homem mais agradecido que a Terra conhece. Seguindo a tradição dos homens santos do Antigo Testamento, passou a vida toda louvando e agradecendo a Deus, seu Pai, e aceitou com alegria os seus discípulos, assim como toda a humanidade que o Pai lhe confiou. Aceitam também com gratidão as pessoas pecadoras. Jesus, ao se entregar totalmente à missão salvífica, dá graças ao Pai e graças a todo e qualquer ser humano. Seu Corpo e seu Sangue são os sinais definitivos da Ação de Graças de Jesus Cristo, a Eucaristia de todos os tempos.
            Queremos, no entanto, lembrar uma passagem muito singular da infância de Jesus: a apresentação no templo (cf. Lc 2,22-39). Maria e José já tinham aceitado a missão de ser pai e mãe do menino Jesus. Mas agora, conforme a Lei de Moisés, vão ao templo para apresentá-lo ao Senhor. Esse rito tinha um significado mais profundo do que a simples observância da Lei. Ao apresentarem o menino reassumem a sua missão, isto é, ser pai e ser mãe dele. O gesto contém, sem dúvida, gratidão. Deus confiou e confia neles; por isso o menino está em suas mãos. Eles, com alegria, oferecem seus dons: dois pombinhos. É a maneira de mostrar gratidão por tudo, pela paternidade e pelo filho. Surgem outras figuras no templo. O velho Simeão e profetisa Ana. Apesar das palavras duras que Simeão profere com relação ao futuro daquele menino, ele prorrompe em ação de graças. Ação de graças, nesse caso, é aprovação das maravilhas de Deus, ou melhor, é grata acolhida da grande maravilha a que assiste na fé.

Mentalidade comercial
Nossos dias se caracterizam pelo intercâmbio comercial: tudo é avaliado por seu preço. Quando algo foi pago, a relação acabou. O comércio tem suas regras. A justiça distributiva explica tudo. O dinheiro paga tudo e não deixa nada pendente entre aquele que possuía e aquele que possui depois da transação. Corta qualquer vínculo sentimental ou afetivo. Agora o dono é outro e não interessa mais quem era o anterior. O perigo de a mentalidade comercial penetrar em todas as relações humanas e acabar com a gratidão é imenso. Mil vezes pior do que ser ingrato é ainda a atitude dos que tiram proveito para si em detrimento do outro. Aqueles que enganam, logram e exploram, não pagando o que é justo, ou mesmo roubando o trabalho, a dedicação e os bens do próximo. O slogan “negócio é negócio” traduz esse oportunismo nefasto. Também as comunidades cristãs, as famílias e as pessoas simples sofrem dessa mentalidade com consequências terríveis. Aos poucos a tentação de levar vantagem em tudo, passando por cima dos bens e dos sentimentos alheios, se alastra em todos os ambientes. Para grande confusão, até nos ambientes eclesiásticos coisas desse gênero têm feito muito mal.

A pior ingratidão
            Toda ingratidão é reprovável; mas existe uma que é pior que todas porque destrói a pessoa. É a ingratidão, o desprezo do superior para com o inferior: dos pais em relação aos filhos, dos professores em relação aos alunos, dos chefes em relação aos subordinados e principalmente dos líderes religiosos com relação aos seus inferiores (dos hierarcas com relação aos que estão em grau inferior ou deles com relação aos leigos). Todo e qualquer esforço feito por alguém merece reconhecimento e gratidão. Contudo, quem mais deve demonstrar reconhecimento sincero e gratidão é o superior. Quando ele se omite ou desaprova o que foi feito com reta intenção e boa vontade, por menor que seja a obra, feita por um súdito ou inferior seu, ele se torna causa de desânimo para o primeiro. Bloqueia a ação, torna a continuação e o progresso praticamente impossíveis. Mesmo que existam inúmeras imperfeições, as qualidades boas precisam sempre de aprovação. Quando, no entanto, o superior está inseguro de si mesmo ele não tem o mínimo escrúpulo em desfazer o outro e, quem sabe, até inventar maldosamente defeitos e imperfeições nos que esperam o mínimo de incentivo. Isso mata! É pior que perseguição por parte de alguém de fora, pois atinge o coração das pessoas. Quando os que deviam colaborar para que todo o corpo cresça e se desenvolva fazem o contrário, os estragos são enormes. Talvez marquem para sempre as pessoas que não foram reconhecidas. O ânimo uma vez perdido, pode trazer sequelas irreparáveis. A culpa será de quem?

Por que alguém pode ser assim?
            Alguém pode dizer que nunca se deve fazer algo com a intenção de ser reconhecido pelo superior, mas que deve ser feito como compromisso da própria missão. É verdade. No entanto, não se deve nunca esquecer que os superiores têm a missão de mostrar, em nome de Deus, o que é melhor para o todo, para o grupo, para a instituição. Da mesma forma, quando ele desaprova, é ingrato, ele passa a ideia de que Deus também não aprova. Que Deus não quer saber disso, uma vez que o superior é visto no lugar de Deus. Isso é grave.
            Não tem outra explicação: alguém pode ser assim somente quando não está em sintonia com os sentimentos de Deus. Se Deus, em Jesus Cristo, em José e Maria, em tantos santos, profetas e homens de boa vontade de todos os tempos mostrou e mostra sua gratidão para qualquer iniciativa boa (até mesmo por um copo de água dado ao sedento), quem é o superior que se arroga o direito de ser ingrato diante de seus inferiores? A única explicação é de que busca outros interesses que lhe rendem mais. Desvios da finalidade de qualquer missão. A tentação que mais transtorna geralmente é a do ter, do prazer e do poder. Aliás, foram as tentações que Jesus teve que vencer no início de sua missão. É tão ilusório imaginar que o dinheiro, o prazer ou o poder possam trazer felicidade. Quando se destrói a harmonia, a união, frutos do reconhecimento da colaboração de todos, não é possível haver realização, pois os bens, o prazer e o poder não satisfazem e exigem preocupações contínuas para não se diluírem ou serem roubados. Os gananciosos nunca estarão sossegados, pois nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Deus, como já ensinava sabiamente Santo Agostinho.

Conclusão
            A ingratidão é pecado grave. Ela destrói o próximo. Destrói, todavia, não somente aquele que a sofre a ingratidão, mas escraviza igualmente aquele que a pratica. A vítima da ingratidão quase sempre desanima, pois acha que seu esforço é vão e que tudo o que faz não tem sentido. O ingrato se fecha no seu orgulho e se torna escravo dos bens, do poder e do prazer, que para ele valem mais que o próximo com suas obras. A ingratidão é causa de desarmonias, de desuniões. Deus, que é grato, que reconhece e recompensa o bem de seus amigos, não pode estar onde há ingratidão. Ele está onde os irmãos se ajudam, se compreendem e se amam; onde são gratos.
            Sejamos sempre gratos para com todos. Lembremos de que “Deus ama a quem dá com alegria” (2 Cor 9,7). Cada Eucaristia que celebramos é Ação de Graças a Deus e aos irmãos. Os ingratos não podem participar verdadeiramente da Eucaristia.

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