PACTO
DAS CATACUMBAS (PONTO 8)
O oitavo item do pacto das catacumbas diz: “Daremos tudo
o que for necessário de nosso tempo, reflexão, coração, meios, etc., ao serviço
apostólico e pastoral das pessoas e dos grupos laboriosos e economicamente
fracos e subdesenvolvidos, sem que isso prejudique as outras pessoas e grupos
da diocese. Ampararemos os leigos, religiosos, diáconos ou sacerdotes que o
Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários compartilhando a vida
operária e o trabalho. Cf. Lc 4,18s; Mc 6,4s; At 18,3s; 20,33-35; 1 Cor 4,12 e
9,1-27.” Os textos bíblicos citados pelos bispos dizem: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa-Nova aos
pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a
recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de
graça da parte dos Senhor”; “Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é
valorizado na sua própria terra, entre os parentes e na própria casa’. E não
conseguia fazer ali nenhum milagre, a não ser impor as mãos a uns poucos
doentes”; “Como tinha a mesma profissão – eram fabricantes de tendas – passou a
morar com eles e trabalhar ali. Todos os sábados, Paulo discutia na sinagoga,
procurando convencer judeus e gregos”; “Não cobicei prata, ouro ou veste de
ninguém. Vós bem sabeis que estas minhas mãos providenciaram o que era
necessário para mim e para os que estavam comigo. Em tudo vos mostrei que,
trabalhando desse modo, se deve ajudar aos fracos, recordando as palavras do
Senhor Jesus, que disse: ‘Há mais felicidade em dar do que em receber’”; “... esgotamo-nos
no trabalho manual; somos injuriados, e abençoamos; somos perseguidos, e
suportamos; somos caluniados, e exortamos”; (o último texto, por ser extenso,
não transcrevemos, mas sugerimos que seja consultado).
Esta proposta frutificou e se alastrou pelo vasto
continente latino-americano. Nos anos imediatamente pós-Vaticano II floresceram
os movimentos populares, os grupos de famílias pobres, as CEBs, a teologia da
libertação, e a Igreja se fez presente, por meio de seus líderes, tanto
hierarcas quanto leigos, em muitas esferas da vida e da luta dos humanos. Nas
primeiras décadas parecia que o espírito do Vaticano II renovava tudo, apesar
de resistências de alguns. Aos poucos, porém, o fervor esmoreceu, e muitos dos
novos hierarcas esqueceram esse item do pacto que os bispos corajosos e
iluminados haviam assumido e concretizado. Trabalhar junto aos mais pobres sem
poder esperar pagamentos imediatos, tornou-se menos atraente!
Daremos
o tempo, a reflexão, o coração, os meios...
Daremos tudo o que for necessário, de nosso tempo,
reflexão, coração, meios, etc., aos mais fracos e subdesenvolvidos. Proposta
ousada. O fraco ou o subdesenvolvido é sempre necessitado enquanto não deixa de
ser fraco ou subdesenvolvido. E, os bispos dizem “tudo”. Na verdade isso os
compromete totalmente. Como nos itens anteriores, é mais uma maneira de dizer
que ser discípulo de Jesus é ser evangelizador durante vinte e quatro horas por
dia, todos os dias. Enquanto houver um único fraco ou pobre na diocese, o bispo
não pode cruzar os braços.
O tempo exige atenção contínua. A reflexão pede estudo e
meditação sobre os princípios evangélicos, mas concretamente atualizados aos
sinais dos tempos onde estão os pobres. O coração destaca o motivo interior:
amar como Jesus amou. Os meio são os instrumentos adequados ao trabalho, que
devem ser eficientes e ao alcance das pessoas.
Esta disposição e este comprometimento não devem
prejudicar as outras pessoas e grupos da diocese, isto é claro. O bispo não
pode deixar uns de lado para se ocupar com os outros, somente. Deve, no
entanto, fazer tudo para igualar os pobres (trazê-los para junto de) aos
demais. Estes últimos, porém, podem ser chamados a colaborar no serviço
apostólico e pastoral dos bispos. Colaboração esta, que transformou inúmeras
comunidades, bairros e cidades em comunidades, bairros e cidades renovados.
Ainda hoje se escuta o povo cantando “Também sou teu povo, Senhor”, sem
discriminação ou privilégios.
Ampararemos
os que evangelizam os pobres
A proposta fala de leigos, religiosos ou sacerdotes que o
Senhor chama a evangelizarem os pobres e os operários. Transparece nestas
palavras a confiança no Senhor. A iniciativa de chamar evangelizadores para os
pobres é do Senhor, não dos bispos; e por isso eles os querem amparar. Há aí
mudança significativa. Consciência de que o pastor deve amparar e apoiar
àqueles que o Senhor providencia para que não faltem os anunciadores da
Boa-Notícia aos últimos, a começar pelos leigos.
Este aspecto mostra também que já se descobriu
embrionariamente o que mais tarde se expressa como opção preferencial pelos pobres. De fato, percebe-se que não há
dúvida de que os pobres são amados por Deus, sem condições, e que os bispos o
sabem. Puebla, mais tarde, o explica, ao dizer: “Criados (os pobres) à imagem e
semelhança de Deus, para serem seus filhos, esta imagem jaz obscurecida e
também escarnecida. Por isso Deus toma sua defesa e os ama. Assim os pobres são
os primeiros destinatários da missão” (1142). Dá, igualmente, importância para
o potencial evangelizador desses mesmos pobres, ao afirmar que “muitos deles
realizam em sua vida os valores evangélicos de solidariedade, serviço,
simplicidade e disponibilidade para acolher o dom de Deus” (1147).
Amparar pode ser entendido como algo mais do que
simplesmente estar ao lado de alguém. Quem ampara toma defesa. Tomar a defesa
dos pobres é uma forma de amor muito específica. Implica entrar em conflitos
históricos e em arriscar bens, fama e vida. J. Sobrino, o teólogo da
misericórdia da América Central, diz que “tomar sua defesa (dos pobres) implica
disponibilidade consciente e ativa para sofrer o martírio. Na América Latina a
história o mostra claramente. E também mostra que não se mata os que apenas amam os pobres. Matam-se, sim, os que saem em sua defesa”.
Igreja
pobre
Cada vez mais estamos vendo o paradoxo que existe quando,
por um lado, a Igreja se apresenta com poder e esplendor, nos seus ritos, nos
templos e nos seus ministros e hierarcas; por outro, na fragilidade, nos
pecados, nos pobres de tantos rostos. Parece que a distância entre um e outro
lado aumenta sempre mais. Contudo, existe nova esperança que vem de tantos
“mártires ainda não canonizados” – que talvez nunca o serão – e de outros
tantos que continuam seus martírios todos os dias por teimarem em ser da Igreja
dos pobres. Que o desejo do Papa Francisco de que a Igreja seja uma Igreja
pobre, influencie a todos nós, pobres e menos pobres. Que ninguém se iluda: sem
perder tempo com os desvalidos nunca se chega ao verdadeiro Jesus de Nazaré.
Pois, ele está onde estão os que não têm onde reclinar a cabeça.
Pe. Mário
Fernando Glaab
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